Inês de castro
118
"Passada esta
tão próspera vitória,
Tornando Afonso à
Lusitana terra,
A se lograr da paz
com tanta glória
Quanta soube
ganhar na dura guerra,
O caso triste, e
dino da memória,
Que do sepulcro os
homens desenterra,
Aconteceu da
mísera e mesquinha
Que depois de ser
morta foi Rainha.
119
"Tu só, tu,
puro Amor, com força crua,
Que os corações
humanos tanto obriga,
Deste causa à
molesta morte sua,
Como se fora
pérfida inimiga.
Se dizem, fero
Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas
tristes se mitiga,
É porque queres,
áspero e tirano,
Tuas aras banhar
em sangue humano.
120
"Estavas,
linda Inês, posta em sossego,
De teus anos
colhendo doce fruto,
Naquele engano da
alma, ledo e cego,
Que a fortuna não
deixa durar muito,
Nos saudosos
campos do Mondego,
De teus fermosos
olhos nunca enxuto,
Aos montes
ensinando e às ervinhas
O nome que no
peito escrito tinhas.
121
"Do teu
Príncipe ali te respondiam
As lembranças que
na alma lhe moravam,
Que sempre ante
seus olhos te traziam,
Quando dos teus
fermosos se apartavam:
De noite em doces
sonhos, que mentiam,
De dia em
pensamentos, que voavam.
Luís Vaz de Camões
Os Lusíadas
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83
E quanto enfim
cuidava, e quanto via,
Eram tudo memórias
de alegria.
122
"De outras
belas senhoras e Princesas
Os desejados
tálamos enjeita,
Que tudo enfim,
tu, puro amor, despreza,
Quando um gesto
suave te sujeita.
Vendo estas
namoradas estranhezas
O velho pai
sesudo, que respeita
O murmurar do
povo, e a fantasia
Do filho, que
casar-se não queria,
123
"Tirar Inês
ao mundo determina,
Por lhe tirar o
filho que tem preso,
Crendo co'o sangue
só da morte indina
Matar do firme
amor o fogo aceso.
Que furor
consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar
o grande peso
Do furor Mauro,
fosse alevantada
Contra uma fraca
dama delicada?
124
"Traziam-na
os horríficos algozes
Ante o Rei, já
movido a piedade:
Mas o povo, com
falsas e ferozes
Razões, à morte
crua o persuade.
Ela com tristes o
piedosas vozes,
Saídas só da
mágoa, e saudade
Do seu Príncipe, e
filhos que deixava,
Que mais que a
própria morte a magoava,
125
"Para o Céu
cristalino alevantando
Com lágrimas os
olhos piedosos,
Os olhos, porque
as mãos lhe estava atando
Um dos duros
ministros rigorosos;
E depois nos
meninos atentando,
Que tão queridos
tinha, e tão mimosos,
Cuja orfandade
como mãe temia,
Para o avô cruel
assim dizia:
Luís Vaz de Camões
Os Lusíadas
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126
- "Se já nas
brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel
de nascimento,
E nas aves
agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas
têm o intento,
Com pequenas
crianças viu a gente
Terem tão piedoso
sentimento,
Como coa mãe de
Nino já mostraram,
E colos irmãos que
Roma edificaram;
127
- "Ó tu, que
tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é
matar uma donzela
Fraca e sem força,
só por ter sujeito
O coração a quem
soube vencê-la)
A estas
criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à
morte escura dela;
Mova-te a piedade sua
e minha,
Pois te não move a
culpa que não tinha.
128
- "E se,
vencendo a Maura resistência,
A morte sabes dar
com fogo e ferro,
Sabe também dar
vicia com clemência
A quem para
perdê-la não fez erro.
Mas se to assim
merece esta inocência,
Põe-me em perpétuo
e mísero desterro,
Na Cítia f ria, ou
lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas
viva eternamente.
129
"Põe-me onde
se use toda a feridade,
Entre leões e
tigres, e verei
Se neles achar
posso a piedade
Que entre peitos
humanos não achei:
Ali com o amor intrínseco
e vontade
Naquele por quem
morro, criarei
Estas relíquias
suas que aqui viste,
Que refrigério
sejam da mãe triste." -
130 - Morte de
Inês de Castro
Luís Vaz de Camões
Os Lusíadas
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85
"Queria
perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das
palavras que o magoam;
Mas o pertinaz
povo, e seu destino
(Que desta sorte o
quis) lhe não perdoam.
Arrancam das
espadas de aço fino
Os que por bom tal
feito ali apregoam.
Contra uma dama, ó
peitos carniceiros,
Feros vos
amostrais, e cavaleiros?
131
"Qual contra
a linda moça Policena,
Consolação extrema
da mãe velha,
Porque a sombra de
Aquiles a condena,
Co'o ferro o duro
Pirro se aparelha;
Mas ela os olhos
com que o ar serena
(Bem como paciente
e mansa ovelha)
Na mísera mãe
postos, que endoudece,
Ao duro sacrifício
se oferece:
132
"Tais contra
Inês os brutos matadores
No colo de
alabastro, que sustinha
As obras com que
Amor matou de amores
Aquele que depois
a fez Rainha;
As espadas
banhando, e as brancas flores,
Que ela dos olhos
seus regadas tinha,
Se encarniçavam,
férvidos e irosos,
No futuro castigo
não cuidosos.
133
"Bem puderas,
ó Sol, da vista destes
Teus raios apartar
aquele dia,
Como da seva mesa
de Tiestes,
Quando os filhos
por mão de Atreu comia.
Vós, ó côncavos
vales, que pudestes
A voz extrema
ouvir da boca fria,
O nome do seu
Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande
espaço repetisses!
134
"Assim como a
bonina, que cortada
Antes do tempo
foi, cândida e bela,
Luís Vaz de Camões
Os Lusíadas
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86
Sendo das mãos
lascivas maltratada
Da menina que a
trouxe na capela,
O cheiro traz
perdido e a cor murchada:
Tal está morta a
pálida donzela,
Secas do rosto as rosas,
e perdida
A branca e viva
cor, coa doce vida.
135
"As filhas do
Mondego a morte escura
Longo tempo
chorando memoraram,
E, por memória
eterna, em fonte pura
As lágrimas
choradas transformaram;
O nome lhe
puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês
que ali passaram.
Vede que fresca
fonte rega as flores,
Que lágrimas são a
água, e o nome amores.
Velho do resteiro
94
"Mas
um velho d'aspeito venerando,
Que
ficava nas praias, entre a gente,
Postos
em nós os olhos, meneando
Três
vezes a cabeça, descontente,
A
voz pesada um pouco alevantando,
Que
nós no mar ouvimos claramente,
C'um
saber só de experiências feito,
Tais
palavras tirou do experto peito:
95
-
"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta
vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó
fraudulento gosto, que se atiça
C'uma
aura popular, que honra se chama!
Que
castigo tamanho e que justiça
Fazes
no peito vão que muito te ama!
Que
mortes, que perigos, que tormentas,
Que
crueldades neles experimentas!
96
-
"Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte
de desamparos e adultérios,
Sagaz
consumidora conhecida
De
fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te
ilustre, chamam-te subida,
Sendo
dina de infames vitupérios;
Chamam-te
Fama e Glória soberana,
Nomes
com quem se o povo néscio engana!
97
-
"A que novos desastres determinas
Luís
Vaz de Camões
Os
Lusíadas
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112
De
levar estes reinos e esta gente?
Que
perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo
dalgum nome preminente?
Que
promessas de reinos, e de minas
D'ouro,
que lhe farás tão facilmente?
Que
famas lhe prometerás? que histórias?
Que
triunfos, que palmas, que vitórias?
98
-
"Mas ó tu, geração daquele insano,
Cujo
pecado e desobediência,
Não
somente do reino soberano
Te
pôs neste desterro e triste ausência,
Mas
inda doutro estado mais que humano
Da
quieta e da simples inocência,
Idade
d'ouro, tanto te privou,
Que
na de ferro e d'armas te deitou:
99
-
"Já que nesta gostosa vaidade
Tanto
enlevas a leve fantasia,
Já
que à bruta crueza e feridade
Puseste
nome esforço e valentia,
Já
que prezas em tanta quantidades
O
desprezo da vida, que devia
De
ser sempre estimada, pois que já
Temeu
tanto perdê-la quem a dá:
100
-
"Não tens junto contigo o Ismaelita,
Com
quem sempre terás guerras sobejas?
Não
segue ele do Arábio a lei maldita,
Se
tu pela de Cristo só pelejas?
Não
tem cidades mil, terra infinita,
Se
terras e riqueza mais desejas?
Não
é ele por armas esforçado,
Se
queres por vitórias ser louvado?
101
-
"Deixas criar às portas o inimigo,
Por
ires buscar outro de tão longe,
Por
quem se despovoe o Reino antigo,
Luís
Vaz de Camões
Os
Lusíadas
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113
Se
enfraqueça e se vá deitando a longe?
Buscas
o incerto e incógnito perigo
Por
que a fama te exalte e te lisonge,
Chamando-te
senhor, com larga cópia,
Da
Índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia?
102
-
"Ó maldito o primeiro que no mundo
Nas
ondas velas pôs em seco lenho,
Dino
da eterna pena do profundo,
Se
é justa a justa lei, que sigo e tenho!
Nunca
juízo algum alto e profundo,
Nem
cítara sonora, ou vivo engenho,
Te
dê por isso fama nem memória,
Mas
contigo se acabe o nome e glória.
103
-
"Trouxe o filho de Jápeto do Céu
O
fogo que ajuntou ao peito humano,
Fogo
que o mundo em armas acendeu
Em
mortes, em desonras (grande engano).
Quanto
melhor nos fora, Prometeu,
E
quanto para o mundo menos dano,
Que
a tua estátua ilustre não tivera
Fogo
de altos desejos, que a movera!
104
-
"Não cometera o moço miserando
O
carro alto do pai, nem o ar vazio
O
grande Arquiteto co'o filho, dando
Um,
nome ao mar, e o outro, fama ao rio.
Nenhum
cometimento alto e nefando,
Por
fogo, ferro, água, calma e frio,
Deixa
intentado a humana geração.
Mísera sorte, estranha condição!" -
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