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domingo, 19 de agosto de 2012

4/100 - HUMUS - Raul Pascoaes


 Raul Brandão,




Raul Brandão, em 1867, Nascia na Foz do Douro (Porto), filho e neto de pescadores, morreria em Lisboa em 1930. Seu romance Humus, trata-se de um romance-monólogo, situado em dois monólogos interiores: um primeiro orador e o seu alter-ego,um filósofo lunático. Com a narração dominada por estes dois pontos de vista, as restantes personagens são remetidas para o plano do grotesco. A obra explora a contradição entre o mundo aparente e o autêntico, onde se descobrem monstruosidades não sonhadas.

escrito durante a primeira Grande Guerra Considerada por muitos críticos como a sua obra-prima esta obra tem originado as mais variadas leituras por parte da crítica literária, que ora a enquadra no Simbolismo, ora lhe enfatiza os elementos do grotesco emocional, considerando-a um raro exemplo do Expressionismo português.

http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/bases-tematicas/figuras-da-cultura-portuguesa/1440-raul-brandao.html

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Livro 3/100 MARÂNUS - Teixeira de Pascoaes



Teixeira de Pascoaes, pseudónimo de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, (Amarante, 8 de Novembro de 1877[1] — Gatão, 14 de Dezembro de 1952) foi um poeta e escritor português. Nasceu no seio de uma família aristocrática.

A poesia pascoaeseana é densa e de difícil acesso, onde se harmonizam o pagão e o cristão num humanismo metafísico.
A saudade pascoaesiana transcende assim o mero sentimento individual, para assumir uma dimensão ontológica e metafísica. Na mesma medida em que todo o Universo "é a expressão cósmica da saudade" enquanto " infinita lembrança da esperança", a saudade psicológica, individual, assume, enquanto o homem partilha a condição do mundo, uma dimensão metafísica. Enquanto o homem como ser finito e imperfeito aspira à perfeição de ser, a saudade assume uma dimensão ontológica.

A saudade encarada do ponto de vista existencial leva o autor a conceber a natureza como sagrada, uma vez que a saudade do mundo é também saudade de Deus, de um Deus presente nas próprias coisas. É a divindade que se apropria de si mesma na evolução da natureza, pelo que Pascoaes postula a sacralização da mesma natureza. Deus existe antes e independentemente do homem; no entanto a vida, confere-lha o próprio homem.

http://cvc.instituto-camoes.pt/filosofia/1910a.html

(...)

e via o escuro reino mineral,
Num alvorar de etérea sensação,
Fazer-se, enfim, o reino espiritual,
Metamorfose imensa e luminosa.
E viu que o último reino transcendente,
Pela sua estrutura e natureza,
Se casava, profunda e intimamente,
Com a sombra fantástica da Origem.
E a luz do seu olhar, extasiada,
Abrangeu, num momento, a vida eterna.
Sim, às vezes, em hora consagrada,
Para nós se contém a Eternidade.
Também o claro sol, por um instante,
Numa gota de orvalho se resume,
E, nela, é viva imagem radiante
De viva luz, acesa em sete cores.

(...)

Da Serra começava a levantar-se
Um crepúsculo, um fumo de nevoeiro.
E um oiro em pó, suspenso, ia juntar-se
às primeiras estrelas: era a noite.


Marânus, Teixeira de Pascoais

Livro 2/100 Gente Singular - Manuel Teixeira Gomes



Gente Singular – parece querer provocar um sucessivo confronto com uma realidade de forma caricatural, reduz ao cômico quaisquer mancha de idealismo. A ironia, de forma quase comediante, casada com um elástico poder descritivo, atribui a Gente Singular um lugar de relevo nas obras do início do século XX.
O título referi-se a pessoas únicas de sentido raro, singular), Gente Singular não só tem um certo ar histórico, mas humorístico, mostrando a forma de ser único de um povo.

Manuel Teixeira Gomes nasceu em Portimão em 1862, mas estudou em Coimbra, onde deixou o curso de Medicina para se dedicar à vida boémia e literária. Filho de um comerciante abastado, conhece o Mundo a trabalhar na empresa de exportação de frutos secos do pai, desenvolvendo o gosto pelas artes.

Da sua obra literária constam livros como "Cartas sem Moral Nenhuma" (1904), "Agosto Azul" (1904), "Sabrina Freire" (1905), "Desenhos e Anedotas de João de Deus" (1907), "Gente Singular" (1909), "Cartas a Columbano" (1932), "Novelas Eróticas" (1935), "Regressos" (1935) ou "Carnaval Literário" (1938).
Teixeira Gomes foi o sétimo Presidente da República, cargo que exerceu entre 1923 e 1925, ano em que resignou ao cargo e se auto-exilou em Bougie (Argélia francesa), onde morreu em 1941.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

livro 1/100 portugueses séc XX - A cidade e as serras - Eça de Queiroz



 Apreciação do Livro

Século XIX. O positivismo é a corrente política e filosófica, que de forma satírica é abordada no romance. O protagonista, Jacinto é um homem aflito por dois modos de vida e que reencontra o prazer ao voltar-se às origens, na virada do século XIX para o XX. 
A grande virada na vida de Jacinto se dá quando passa uma temporada em paris e após isso, torna-se um ferrenho crítico da forma atrasada em que se encontrava a economia em Portugal na época, passando assim a desprezar a vida urbana em Portugal e dar valor a vida campestre.
Obra póstuma, publicada um ano após a morte de Eça de Queiroz, juntamente com as obras "A Ilustre Casa de Ramires" e "Correspondência de Fradique Mendes", A cidade e as Serras é considerada uma trilogia, cujo ponto comum é a crítica a atmosfera social e urbana de Portugal.
O romance começa com as seguintes palavras: "O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival".
Esse foco narrativo possui um nome técnico, "eu-como-testemunha", e é bastante adequado para obras que visam o olhar crítico, pois o personagem-narrador acompanhará o protagonista em suas aventuras; e, como contará a narrativa ao passar dos tempos depois, pode colocar-se na posição crítica e considerar de forma mais verdadeira o que ocorreu.

Por: Daisy melo


Link para acessar o livro virtual

http://books.google.com.br/books?id=41IbBD35ujAC&pg=PA2&lpg=PA2&dq=A+Cidade+e+As+Serras,+E%C3%A7a+de+Queir%C3%B3s+%281845-1900%29&source=bl&ots=COJB-BzaSZ&sig=kwG4B3rGJ2ecPGk_D6m4ug2tbAE&hl=pt-BR&sa=X&ei=1fwsUIOrB4brygG2s4GoBg&sqi=2&ved=0CEcQ6AEwAA#v=onepage&q=A%20Cidade%20e%20As%20Serras%2C%20E%C3%A7a%20de%20Queir%C3%B3s%20%281845-1900%29&f=false

100 Livros Portugueses do Século XX

100 Livros Portugueses do Século XX

por Fernando Pinto do Amaral (in O Público, 27 Abril 2002)

 - A Cidade e As Serras, Eça de Queirós (1845-1900)


 - Gente Singular, Manuel Teixeira Gomes (1860-1941)
 - Marânus, Teixeira de Pascoaes (1877-1952)
 - Húmus, Raul Brandão (1867-1930)

 - Pedro o Cru, António Patrício (1878-1930)

 - Terras do Demo, Aquilino Ribeiro (1885-1963)

 - Clepsidra, Camilo Pessanha (1867-1926)

 - Ensaios, António Sérgio (1883-1968)

 - Canções, António Botto (1897-1959)
 - Poemas de Deus e do Diabo, José Régio (1901-1969)
 - A Selva, Ferreira de Castro (1898-1974)
 - Charneca em Flor, Florbela Espanca (1894-1930)
 - Gladiadores, Alfredo Cortês (1880-1946)
 - Mensagem, Fernando Pessoa (1888-1935)
 - A Criação do Mundo, Miguel Torga (1907-1995)
 - Sedução, José Marmelo e Silva (1913-1991)
 - Nome de Guerra, Almada-Negreiros (1893-1970)

 - Contos Bárbaros, João de Araújo Correia (1899-1985)

 - Gaibéus, Alves Redol (1911-1969)
 - Solidão/Notas do Punho de Uma Mulher, Irene Lisboa (1892-1958)
 - Apenas Uma Narrativa, António Pedro (1909-1967)

 - O Barão, Branquinho da Fonseca (1905-1974)

 - Historiazinha de Portugal, Adolfo Simões Müller (1909-1989)

 - Noite Aberta Aos Quatro Ventos, Adolfo Casais Monteiro (1908-1972)

 - Mau Tempo No Canal, Vitorino Nemésio (1901-1978)

 - O Caminho da Culpa, Joaquim Paço D'Arcos (1908-1979)
 - O Dia Cinzento, Mário Dionísio (1916-1993)
 - Poesia, Sophia de Mello Breyner Andresen (n.1919)
 - Poesias, Álvaro de Campos
 - Odes, Ricardo Reis
 - Poemas, Alberto Caeiro
 - Poesias, Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)
 - A Toca do Lobo, Tomás de Figueiredo (1902-1970)

 - Ossadas, Afonso Duarte (1884-1958)

 - As Mãos e os Frutos, Eugénio de Andrade (n.1923)

 - Poesia I, José Gomes Ferreira (1900-1985)
 - Retalhos da Vida de Um Médico, Fernando Namora (1919-1989)
 - A Secreta Viagem, David Mourão-Ferreira (1927-1996)
 - O Fogo e As Cinzas, Manuel da Fonseca (1911-1993)

 - Pelo Sonho É Que Vamos, Sebastião da Gama (1924-1952)

 - A Sibila, Agustina Bessa-Luís (n. 1922)
 - História da Literatura Portuguesa, António José Saraiva (1917-1993)

e Óscar Lopes (n. 1917)

 - Movimento Perpétuo, António Gedeão (1906-1997)
 - Dimensão Encontrada, Natália Correia (1923-1993)
 - Pena Capital, Mário Cesariny (n. 1923)
 - Teatro, Bernardo Santareno (1924-1980)

 - A Origem, Graça Pina de Morais (1929-1992)

 - Léah, José Rodrigues Miguéis (1901-1980)
 - No Reino da Dinamarca, Alexandre O'Neill (1924-1986)
 - A Cidade das Flores, Augusto Abelaira (n. 1926)
F. P. AMARAL - 100 LIVROS PORTUGUESES SEC. XX
          - Bastardos do Sol, Urbano Tavares Rodrigues (n. 1923)
          - Tanta Gente, Mariana..., Maria Judite de Carvalho (1921-1998)
          - A Colher na Boca, Herberto Helder (n. 1933)

          - Felizmente Há Luar!, Luís de Sttau Monteiro (1926-1993)

          - O Palhaço Verde, Matilde Rosa Araújo (n. 1921)

          - Rumor Branco, Almeida Faria (n. 1943)

          - Xerazade e os Outros, Fernanda Botelho (n. 1926)

          - A Torre da Barbela, Ruben A. (1920-1975)

          - Praça da Canção, Manuel Alegre (n. 1936)
          - Estou Vivo e Escrevo Sol, António Ramos Rosa (n. 1924)
          - Teoria da Literatura, Vítor Manuel de Aguiar e Silva (n. 1939)
          - O Delfim, José Cardoso Pires (1925-1998)
          - A Noite e o Riso, Nuno Bragança (1929-1985)

          - As Aves, Gastão Cruz (n.1941)

          - Maina Mendes, Maria Velho da Costa (n. 1938)

          - Peregrinação Interior, António Alçada Baptista (n. 1927)

         
- A Raiz Afectuosa, António Osório (n. 1933)

          - Novas Cartas Portuguesas, Maria I. Barreno (n.1938), Maria T. Horta (n. 1937) 

e Maria V. da Costa
          - Os Sítios Sitiados, Luiza Neto Jorge (1939-1989)
          - Paisagens Timorenses com Vultos, Ruy Cinatti (1915-1986)
          - Toda a Terra, Ruy Belo (1933-1978)

          - O Que Diz Molero, Dinis Machado (n. 1930)

          - Finisterra, Carlos de Oliveira (1921-1981)
          - O Labirinto da Saudade, Eduardo Lourenço (n.1923)

          - Rosa, Minha Irmã Rosa, Alice Vieira (n.1943)

          - Sinais de Fogo, Jorge de Sena (1919-1978)

          - Instrumentos Para a Melancolia, Vasco Graça Moura (n. 1942)
          - Uma Exposição, João M. F. Jorge (n. 1943), Joaquim M. Magalhães (n. 1945), 
Jorge Molder (n. 1947)
          - O Silêncio, Teolinda Gersão (n. 1940)
          - Livro do Desassossego, Fernando Pessoa-Bernardo Soares
          - Memorial do Convento, José Saramago (n.1922)
          - Os Universos da Crítica, Eduardo Prado Coelho (n.1944)
          - Para Sempre, Vergílio Ferreira (1916-1996)

          - Amadeo, Mário Cláudio (n. 1941)

          - Um Falcão no Punho - Diário I, Maria Gabriela Llansol (n. 1931)

          - Adeus, Princesa, Clara Pinto Correia (n.1960)

          - As Moradas 1 & 2, António Franco Alexandre (n. 1944)

          - O Medo, Al Berto (1948-1997)

          - Gente Feliz com Lágrimas, João de Melo (n. 1949)
          - O Pequeno Mundo, Luísa Costa Gomes (n. 1954)
          - A Ilha dos Mortos, Luís Filipe Castro Mendes (n. 1950)

          - A Musa Irregular, Fernando Assis Pacheco (1937-1995)

          - Um Canto na Espessura do Tempo, Nuno Júdice (n. 1949)

          - Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde, Mário de Carvalho (n. 1944)

          - Vulcão, Luís Miguel Nava (1957-1995)

          - Guião de Caronte, Pedro Tamen (n. 1934)

          - Geórgicas, Fernando Echevarría (n. 1929)
          - O Vale da Paixão, Lídia Jorge (n. 1946)
          - Cenas Vivas, Fiama Hasse Pais Brandão (n. 1938)
          - Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura, António Lobo Antunes (n. 1942)
          in Jornal O PÚBLICO - 'Mil Folhas', 27 de  Abril de 2002

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

A imagem e o imaginário da mulher em Portugal: Da Idade Média ao Renascimento. Inédito. - Monica Rector

A imagem e o imaginário da mulher em Portugal:
Da Idade Média ao Renascimento. Inédito.

Monica Rector

University of North Carolina, Chapel Hill
Biblioteca Nacional de Lisboa, Fundação Luso-Americana

A narrativa
Antes de analisarmos qualquer texto, põe-se em questão a noção da escrita, de
seu gênero e da veracidade. Podemos dividir a literatura da época medieval e
renascentista segundo os gêneros tradicionais ou outros sub-gêneros, como o
hagiográfico. A linha que delimita os mesmos é fluida. Menéndez Pidal introduz a
noção de verismo, «entendiendo por verismo el mayor ajuste posible de las ficciones
poéticas a la verdad histórica que le dio origen» (Menéndez Pidal 179). Mostrou que
havia uma preocupação pela sistematização, mas que textos épicos e cronísticos se
aproximavam havendo intersecções entre diversas formas textuais. Estes textos tinham,
portanto, um «caráter compósito» (Dias 112),1 pois é a voz dos heróis que veicula a
matéria informativa.
Os primórdios
Para tratarmos da mulher portuguesa, faz-se necessário retornar ao passado, à
época de Viriato (século II a. C.). Era então a mulher lusa ou lusitana ou peninsular, que
vivia na Ibéria. A vida era difícil e árdua, e sabe-se que essas mulheres eram «fortes de
corpo e de espírito, de uma coragem que tocava as fronteiras da loucura» (Ferreira 51).
A loucura era traduzida em cenas de infanticídio, canibalismo e suicídio em massa,
quando necessário. Segundo Estrabão, «a coragem é uma virtude comum às nações
2
bárbaras» (in Ferreira 51). Coragem, ferocidade e «raiva bestial» eram as características
demonstradas contra os invasores pelos quais as mulheres sentiam ódio e desprezo pela
destruição de seus lares e famílias. Quando a fome apertava, elas coziam peles de
animais, quando estas escasseavam praticavam o canibalismo nos mortos, doentes e
mais fracos, por último, sacrificavam os próprios filhos. Quando invadidas as terras
pegavam em armas e lutavam ao lado dos homens, morrendo sem lágrimas nem
gemidos .
Apesar desta vida rude, a mulher usufruía uma situação privilegiada. A estrutura
da família era monogâmica. Ela escolhia o marido, sendo requisito para tal regalia
mostrar valentia. Ele em troca a defendia. Em tempo de paz, a mulher dedicava-se à
vida agrícola, a fazer o pão e cozinhar os alimentos, e a trabalhar no tear. Muitas vezes
pariram os filhos nos campos (Ferreira 61), mas se estivessem no povoado, havia
senhoras mais idosas com experiência de parteira para tal função. Ao dar a luz cediam o
leito ao marido e continuavam a servi-lo.
Neste alvorecer, a imagem da mulher lusa era a da «amazonas», a mulher
guerreira lutando com desembaraço e bravura.
A mulher na poesia occitânica
Entre os trovadores houve mulheres, as Trobairitz. Nas antologias consta o nome
da Condessa de Die, que se expressa sobre a cortesia. Há ainda outras como a Condessa
de Provença, Maria de Ventadour, Clara de Anduza, Azalais de Porcairages, Beatriz de
Romans, Almucs de Castelnau, Iseut de Capio, Tibors de Provença. (Nunes 16).2 A voz
das Trobairitz era a real, a das cantigas de amigo é a fictícia, pois o trovador se apropria
da voz feminina. Aquela é individualizada, esta é uma voz emprestada que tenta
representar a mulher como um todo a partir da ideologia cavalheiresca. As Trobairitz
3
põe em contradição este discurso. Esta mulher mostra o trovador como ser «falsamente
humilde» e orgulhoso, o seu cantar é diferente do seu comportamento. A poesia da
Trobairitz é aristocrática, ao contrário da das Cantigas de Amigo que são populares. Ela
é uma senhora de alta linhagem e se insere na corte senhorial.
Diz Nunes que «a separação entre cor e cors - coração e corpo - expressa pelos
Trovadores, não tem sentido para elas» (Nunes 17).Por isso, em sua forma aberta de
expressar-se questionam e põem em questão a ideologia trovadoresca. A Trobairitz
acusa o trovador de salvatge, que vem a ser o contrário de cortês. Usa, no entanto, os
mesmos adjetivos da cantiga de amigo: desleal, falso, desmentido, traidor, o que vem
em contra à ética cavalheiresca que pregava o trovador cortês, fiel, humilde, franco,
servidor, valente e discreto (Nunes 17). Portanto, o comportamento do trovador
desmente o seu discurso:
Nunes mostra a ação contrária das Trobairitz daquilo que é esperado dela. Ela
(1) rompe a lei do segredo;
(2) julga que a dama deve suplicar ao amado;
(3) desmente que a dama não é inaccessível e o amante deve dizer seu amor a ela;
(4) não abandona o amigo pela reputação;
(5) julga que o amante deve executar seu desejo sexual;
(6) confessa que ama mais do que é amada.
Sendo a voz dela, a imagem do trovador é desmistificada e mostrada como dúbia. Ao
contrário, nas cantigas de amigo, conforme diz Diogo (33), a senhor «introduz à ordem
simbólica e faz da fin’ amors um sintoma, i. e. , por ela se ligam imaginário, simbólico e
real».3 Este real, como já vimos, é um constructo, e, neste discurso quando fala através
do trovador é porque já se encontra persuadida.
4
Donas
A mulher da sociedade nunca era chamada pelo seu primeiro nome, dona era-lhe
anteposto, tradição latina: Julia Domna, Claudia Domna. O termo lat. domina, domna,
assimilou -m- ao -n- e fixou-se como dona. Segundo Piel, na época medieval encontrase
Aurodomna, Dulcedomna. Aurodomna evoluiu para Auroana, Ouroana e, finalmente,
Oriana. Passou a ser reiterado e a fazer parte como elemento constitutivo de nomes
compostos: Dona Mumadona (Piel 329-39), poderosa dama do século X, casada com o
conde galego D. Hermenegildo Gonçalves, que mandou construir o castelo de
Guimarães (Azevedo, cap. 48). A reiteração acrescentava o tom familiar e afetivo.
Mumma é uma variante de mamma, mãezinha e a geminação lembra o balbuciar infantil
. Piel cita a designação mammadonna para a avó nos Alpes dos Grisões (331).
‘O Leal Conselheiro’ do Rei D. Duarte4
D. Duarte foi um homem cristão e que de bom grado aceitava a mulher que Deus
lhe deu. Como não fazia parte do clero, dividia os problemas do mundo em duas barcas,
«uma bem conservada (o estado das virtudes) e a outra com rombos (o estado dos
pecados)» (Martins 192).5 Nesta obra trata do amor, da amizade e do casamento a partir
de uma visão cristã da Idade Média, mas também do bom senso a partir da experiência.
Foi escrito para um público disposto a receber conselhos e doutrinas. A amizade está
condicionada ao entendimento, portanto, na ausência a saudade torna-se suportável.
Com o amor é diferente, pode-se amar sem ser amado e «contra a razão» (193). No
casamento há várias formas de «benquerença», de vão desde o amor até a amizade, da
paixão até à ternura, mas deve haver sempre um sentimento positivo e tal só acontece a
partir do esforço de ambos. Coloca sua experiência, no capítulo 45, «Da maneira como
se devem amar os casados». As mulheres gostam de ouvir palavras suaves, mas em
5
contrapartida devem amar e respeitar seu marido. A verdade deve estar sempre presente,
e ciúmes é falta de confiança. Reconhece, no entanto, que em algumas mulheres este
sentimento pode tornar-se mais agudo. É salutar a mulher temer ou receiar, isto
demonstra não falta de confiança, mas respeito pelo marido. O temor é «uma outra
forma de amor» (Fernandes 171).É uma qualidade nas «boas mulheres», e todas devem
aspirar esta qualidade.
O amor tem um sentido mais amplo, estende-se a todos os seres e coisas criadas
por Deus, portanto, é um amor universal, amor ao próximo, ligado à espiritualidade.
Para tanto, D. Duarte invoca três virtudes: a fé, a esperança e a caridade, sendo a
caridade a base para o amor ao próximo:«amor a deos sobre todallas coisas».
No amor entre duas pessoas o começo é básico e este constitui-se nas condições
sociais e culturais desejáveis, relacionadas ao nascimento, importante para a
continuidade da linhagem. O desenvolvimento do amor tem a ver com a benquerença
que pode ser a partir do entendimento ou do coração. No caso do casal, tem que ser
mútuo : amar e ser amado. São, segundo D. Duarte, quatro as «maneiras damar»: 1 -
Benquerença, 2 - Desejo de bem fazer, 3 - Amores e 4 - Amyzade. O bem-querer é um
nome geral, e um sentimento para com todos os que não queremos mal; o amor é
egoísta, pois deseja a satisfação pessoal não levando em consideração o querer do outro;
já a amizade procura o bem alheio. A amizade vem a ser, segundo D. Duarte, o
sentimento mais completo e satisfatório, porque tem como base a lealdade.«Bem
casados» são aqueles que amam segundo as quatro maneiras, «porque só elas, todas, mas
submetidas ao entendimento e à razão, dão a completa maneira de amar» (Fernandes
161).
Estes conselhos de D. Duarte não são dogmáticos, ele explica e exemplifica,
sugere a partir de sua própria experiência , mas não interfere no livre-arbítrio.
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Hagiografias
A vida de santos canonizados pela Igreja romana eram comuns durante a Idade
Média. Destacam-se Flos sanctorum, mandado imprimir por D. Manuel I, em 1513.
Muitos dos textos contidos nesta obra fazem parte de Flores seu legenda sanctorum de
Jacobo de Vorágine, de Breviários do século XIII e do Breviário Bracarense de 1470. Há
uma versão em espanhol do texto de Fr. Jacobo de Vorágine com o nome de Legenda
aurea ou Historia lombarda, que inclui santos espanhóis, e que passou a ser conhecida
como Legenda de los santos. Há também os Livros de milagres, primeiro escritos em
latim e depois traduzidos ao português. D. Manuel I também mandou imprimir a
Leg~eda dos sãtos martires. Além disso, há as Vita Christi ou Imitação de Cristo e os
Livros de horas usados pela nobreza em geral. Por último, destacam-se as crônicas de
vida dos santos nos Caronicas dos miniistros geraaes da ordem dos fraires menores. A
maioria destes textos são traduções e o seu interesse deriva do caráter moral-didático
que apresentam. Os santos serviam de exemplum, que deveria ser imitado em seus atos
de pureza e devoção à santidade. Também testemunhavam a força de vontade de
persistir na religião dos mártires atrozmente torturados. Assim o povo podia identificarse
com exemplos tangíveis. As relíquias são outro exemplo de concretização da
realidade e os ritos, como a peregrinação, exerciam a mesma função. Do ponto de vista
literário desempenhavam papel equivalente às crônicas historiográficas, apesar de seu
valor ser mais documental.
A mulher em fé e religião
Mulheres em fé e em religião tem o objetivo que mostrar que as mulheres tidas
como «santas» não necessariamente eram religiosas, nem viviam em conventos e
7
tampouco se converteram em santas por meio da canonização. Muitas levaram uma vida
normal e até em pecado, e em alguma etapa vital mudaram de rumo, consagrando-se a
Deus e passaram a viver «como convém a santos» (Ef.A caminho da guerra cantavam
hinos guerreiros sobre feitos heróicos dos seus antepassados. V, 3, in Attwater 9). Só
mais tarde santo passou a designar pessoas com maior grau de devoção e que eram
veneradas publicamente. Entre estas contam-se os mártires, cuja fé lhes custou a vida,
sendo no local onde morreram reverenciados pelos fiéis e erguida uma capela ou igreja,
onde anualmente na data de sua morte eram invocadas. Era «‘um dia de festa’, não um
dia de choro» (Attwater 10).
Relíquias que haviam pertencido aos mártires eram reverenciadas e vários
objetos tornaram-se elementos de superstição e abuso com o passar do tempo. Até a
Idade Média, às relíquias de santos e mártires era atribuído um poder mágico. O
Concílio de Trento corrigiu algumas destas distorções e, então, as relíquias passaram a
ter o valor de elemento de salvação. O relicário, por meio da imagem, simbolizava uma
forma de alcançar a espiritualidade do santo. Além dos que morreram pela fé, há os
«confessores», honrados como santos sem terem sofrido martírios, porque «a vida cristã
normal, quando vivida consistentemente num espírito de uma auto-entrega de amor a
Deus, pode ser um tipo de martírio» (11).
Para tornar-se santo, a canonização nem sempre era necessária, a voz do povo
falava mais alto e era o processo iniciador. A característica primordial do santo é ser um
herói, e o ato heróico está em entregar-se a Deus e em abdicar dos bens terrenos, «a
auto-oferta de amor a Ele que é a Santidade em pessoa» (Attwater 13). Isto independe de
condição social, sexo e cultura. Santas podem ser religiosas, rainhas e camponesas. Não
era uma carreira ou profissão como tal, porque «viver em Cristo» é um estado e uma
8
livre escolha. Quando atingem o grau mais elevado espiritualmente, assemelham-se ao
Cristo: «Não vivo mais eu, mas Cristo vive em mim» (São Paulo in Attwater 13).
As primeiras imagens e recordações que nos chegam são as de mulheres que se
dedicam a alcançar a felicidade, não a terrena, mas aquela junto ao Criador. Seu
caminho na terra é nada mais do que uma preparação para este encontro. Suas histórias
fazem parte da hagiografia, um gênero, ou talvez sub-gênero literário, que se aproxima
ao épico porque há um herói, o santo, em busca da ascensão para chegar a Deus. Este
tipo de narrativa geralmente não apresenta um texto elaborado, resume-se a datas,
lugares e acontecimentos, permeados de sacrifícios e martírios. Uma vez purificados
estes seres são capazes de fazer «milagres», resolvendo situações difíceis para os
humanos em que está presente a dor, a fome e o sofrimento físico em forma de alguma
doença ou incapacidade. Nesse percurso o santo encontra muitas tentações,
simbolizadas pela figura de algum indivíduo encarnado pelo diabo ou o próprio, que se
constitui em um anti-herói. O diabo ou demônio apresentava-se também disfarçado em
forma de animal, podendo tomar várias formas sucessivamente, como neste texto: «E
a[o] septimo ano veeo o diabo a ella, e a primera vegada em forma de asno, e a segunda
em forma de perro, e a terçeira em forma de donzell...» (Crónica da Ordem, vol. 2, 161).
Existe na Idade Média «uma sensibilidade sedenta do maravilhoso» (Lucas, A
literatura visionária 12), atingível por meio dos milagres. Aos predestinados, aos santos,
esta aberta a possibilidade de alcançar o reino do céus e depois retornar à terra para
relatar aos humanos, pecadores, que futuro lhes espera. Nestes textos há uma
cumplicidade entre narrador / leitor, pois é necessário um outro para que ocorra a
comunicação. O que relatam são imagens paradisíacas que se assemelham à natureza
terrestre, sem os seus males. Há a preocupação com a verosimilhança, ou seja, que o
receptor possa identificar ou comparar a imagem com o que lhe é conhecido. Uma das
9
formas de fazê-lo é usar o tempo verbal no presente, o eterno presente, como se o fato
estivesse acontecendo aqui e agora. Porém, este tempo está fora do profano, porque o
santo «habita um tempo mítico em que a duração não existe - um presente eterno» (115).
Como diz Lucas, há uma«inversão de sinais. Aquilo que tem sinal negativo no mundo
do lado de cá (a fome, o frio, o calor, a pobreza, a dor, a morte) passa a ter sinal
positivo...» (12). Os textos hagiográficos tentam trazer de volta as ilusões perdidas ou
sonhadas. Têm um cunho didático, pois ao mesmo tempo que deleitam o leitor, tentam
convertê-lo para o caminho do bem.
A vida dos santos é de sacrifícios e martírios, sem espera de uma recompensa,
pelo menos terrena. Nesse percurso de ascensão, a visão dos santos geralmente se dá por
meio de símbolos, e estes precisam ser interpretados como signos abertos a diversas
descodificações, conforme a situação e o contexto.
As narrativas visionárias cumprem duas funções básicas segundo Lucas, uma
«finalista, que se manifesta na conversão do homem» e uma medial «que transforma o
homem em destinatário do conhecimento aos seus semelhantes» (122). Por exemplo, na
Crónica da Ordem dos Frades Menores (1209-1285, 2 vols.), através de uma visão, uma
mulher de Torres Novas recebe a lição de que não se trabalha em dia santo:«Sabe que
por ysso eras tu ca trazida e te som demonstradas estas coussas, por que te abstenhas de
fazer obras e serviços ~enas festas dos samtos e faças e dês aos samtos devida
reveremçia...» (Crónica da Ordem, vol. I, pp. 280-2). Nesse caso, a função é medial; no
episódio de Santa Inês, como veremos, ela é final, pois trata de sua conversão.
Na maioria dos textos, os milagres são sempre efetuados por um santo a uma
pessoa do sexo feminino, isto é, intercedendo por uma mulher. Por exemplo, frei Gil fez
com que uma mulher tivesse leite para amamentar seus muitos filhos: «E, quamdo ella
estava adomde estava frey Gill, elle estava arroubado e nom lhe pode fallar, mais por
10
devaçom que tinha pos os peitos sobre o lugar homde frey Gill avia estado arroubado
ella ouve depois tal avomdamça de leite que, sem premer aas tetas, se lhe vinha o leite
corremdo a terra » (185-86). Um dos santos mais milagreiros é Santo Antonio e contamse
dele vários milagres entre os quais ressuscitou a filha, de onze anos, do rei de Leão,
após os rogos de sua mãe, a rainha portuguesa. Ao voltar à vida terrena, no entanto, a
filha recrimina a mãe e disse que Deus havia-lhe feito uma concessão de apenas duas
semanas:
levamtou-sse a filha e reprendeo a sua madre, dizemdo: Madre, Deus te
perdoe, ca, como eu estevesse em gloria amtre as virges, tam afincadamente
rogou samto Antonio ao Senhor por os vossos rogos, que, tornamdo-me a
esta vida, me emviou a vós, mais sabede hu~ua cousa, que o Senhor me
prometeo que nom estaria comvosco mais que quinze dias. (Crónica da
Ordem 267
Este episódio ensina também a lição de que a vida é eterna e não se deve desafiá-la em
favor da terrena. Em outra narrativa, Santo Antônio salva dona Aldonça, filha da rainha
dona Tareja de Portugal. Ouvindo os rogos da mãe, Santo Antônio dá à filha duas
alternativas, ou perdoá-la dos pecados carnais e assim ir com ele (Santo Antônio) ao
paraíso ou ficar com a mãe, sadia. Ela optou pela vida terrena: «Senhora ve aqui estar
samto Antonio, o qual me a feito sãa.» (272). O livre-arbítrio neste caso não teve
recriminação.
Na Crónica da Ordem dos Frades Menores aparece uma santa em vários
episódios, trata-se de Santa Clara, que com suas orações fervorosas ao Senhor consegue
sobrepujar em força os homens. Santa Inês, irmã de Santa Clara, queria abraçar a vida
religiosa. Os parentes se opuseram a esta resolução e enviaram doze varões para
arrancá-la de perto de Santa Clara e trazê-la de volta. Santa Clara limitou-se a rezar, e
11
com suas lágrimas rogava ao Senhor que desse força, «firmeza de vontade» (329), à sua
irmã. O corpo de Inês ficou não pesado que nem todos os homens juntos puderam
movê-lo. Seu tio, Dom Moraldo, enfurecido ao erguer o punho para feri-la, sentiu uma
dor tão cruel que não pode realizar seu intento. E assim, Inês lá ficou e não a
incomodaram mais. Quando Santa Clara perguntou como se sentia, ela, com um tom
que pode ser interpretado como irônico, explicou que «acorrendo-lhe primeiro a graça
de Deus e depois as oraçoões della, que nada ou pouco semtido avia de todolos malles
que lhe forom feitos, ainda que lhe aviam dados golpes e couçes sem comto» (330).
Portanto, as mulheres com fé eram mais fortes do que os homens e com tais fatos
conseguem comunicar sua crença.
Dentre as biografias de santos em coletâneas portuguesas medievais,
sobressaem-se Ho Flos Sanctorum em lingoage~e portugues e o Livro e leg~eda que
fala de todolos feytos e payxoões dos sãtos martires em lingoagem portugues, ambas de
1513. As fontes utilizadas por Frei Diogo do Rosário na edição de 1567 de Flos
Sanctorum são mais confiáveis.6 Esta última obra é uma versão medievo-portuguesa da
obra de Bernardo de Brihuega (séc. XIII)., sobre a qual existem vários estudos de Mário
Martins.
Nesta obra há um episódio no qual os corpos dos mártires são devolvidos pelas
águas. A água é um símbolo constante nas obras hagiográficas, podendo, entre outros
significados, simbolizar: (1) castigo, como o dilúvio; (2) purificação, como a lavagem
dos pés por Cristo e o próprio batismo; (3) fecundidade, a água irrigando as terras; (4)
libertação e salvação, como no caso dos mártires mencionados; e (5) limite ou fronteira,
quando a água existe em forma de rio, para passar-se ao outro mundo.
Vida de santas também se encontram em vários códices alcobacenses: Cód. 1,
inclúi a vida de Sta. Eufrosina (séc. XIV); Cód. 38: fragmentos das vidas de Sta. Cecília
12
e Sta. Eulália, dos séc. XIII e XIV; Cód. 418-22: vida de Sta. Anastácia, Sta. Austreberta
e Sta. Catarina, esta última também incluída do Cód. 447-49; e Cód. 454: vida de Sta.
Pelágia e Sta. Maria Egipcíaca (Lucas, Hagiografia 36-39). Relevantes são também o
Livro que fala da boa vida que fez a Rainha de Portugal, Dona Isabel (Coimbra 1921),
do século XIV, de autor anónimo e a vida de Santa Joana em Crónica da Fundação do
Mosteiro de Jesus de Aveiro e Memorial da Infanta Santa Joana, Filha del Rei Dom
Afonso V (ed. de Rocha Madahil. Aveiro, 1939).
Religião e oração
A prática da religião dá-se por três atos: devoção, oração e adoração, virtudes
morais do homem para com Deus. Por outro lado, há as virtudes teológicas, que são a fé,
esperança e caridade e as virtudes cardeais: prudência, justiça, fortaleza, e temperança.
As mulheres praticavam sobretudo a virtudes morais no seu dia-a-dia:
(1) a devoção relacionava-se com trabalhos a serviço de Deus;
(2) a adoração refere-se ao culto da latria a um só Deus, divide-se em (a) latria, adorar
ao Deus supremo, criador de todas as coisas, (b) hiperdulia, adorar à Virgem Maria,
mãe de Deus, e intermediária entre Deus e os homens; e (c) dulia, adorar os santos
(Rego 197);
(3) a oração consiste em elevar a alma a Deus em súplica, desabafo, perdão, etc. A
oração pode ser vocal, escrita, mental, e mística. A oração pensante permite maior
intimidade, a escrita maior fixação e durabilidade. A oração caracteriza-se sobretudo
pela confiança e humildade. As mulheres confiam sobretudo na Virgem Maria, «a
quem abre[m] o coração sem reserva, a quem se conta tudo» (Rego 213). Há vários
tipos de confiança: agradecida, arrependida, filial, comunitária. António da Silva
13
Rego faz um estudo detalhado destas orações a Nossa Senhora de Muxima, em
Angola, no século XVII.
A Virgem Maria chega a ser uma imagem carismática na Idade Média. A ela
recorrem ricos e pobres, mas é sobretudo conhecida como a mãe dos coitados. Há
muitos mariais, mas foram as Cantigas de Santa Maria de Afonso, o Sábio que a
consagraram. Suas aparições dão-se em momento s de aflição e quando a personagem
envolvida está prestes a cometer um grave êrro. Ao aparecer a pessoa em pauta
reconhece a falta que ia cometer e transforma-se. Vê-se uma lição didático-moralizante
nas aparições, porque ocorrem principalmente perante mulheres. Na cantiga 399 -
«como en a villa d’ Elvas ~ua moller quiso matar seu fillo, et meteu-lle h~ua agulla pela
cabeça, et apareceu-lle Santa Maria ante que o matasse, et disse-lle que tomasse
peendença». (Martins, Estudos 1969: 233-40). Uma vez dissuadida de seu intento,
correu à igreja, confessou-se e posteriormente tornou-se freira. Mário Martins interpreta
as aparições da seguinte forma: «a Mãe de Deus revela-se como uma misericordiosa e
simpática intrusão na história do mundo. Tanto mais perto de nós quanto mais longe
estamos da salvação. No momento em que tudo se afunda, ela surge, como uma bênção
poderosa, e muda repentinamente o rumo funesto dos acontecimentos e dos homens»
(236).
Os texto usados para oração podem ser lidos segundo três isotopias (níveis de
leitura), têm um: (1) sentido literal, que envolve feitos de figuras históricas, (2) um
sentido literal figurado, nos quais os feitos são apresentados de forma metafórica,
alegórica ou por parábolas, e (3) sentido espiritual, aqueles que emanam de Deus. A
intervenção divina ocorre na vida dos santos quantos estes estão próximos da morte, e
cabe a eles transmitir a palavra divina. Diz Ana Maria Machado: «a repetição do motivo
da inspiração divina a propósito da escrita hagiográfica legitima e fundamenta, ao nível
14
da narrativa, a presença do sentido espiritual nas Vidas de santos (Machado 265).7 O
santo imita através da repetição o Cristo, o que vem a ser uma norma de vida a ser
seguida como um exemplo pelos leitores. : «o santo auto-inscreve-se na linha temporal
das sucessivas realizações de redenção da humanidade que, à semelhança de Cristo, os
mártires operaram...» (267) O santo é uma imitação do Cristo, pelos seus gestos e
atitudes, cabendo ao receptor reconhecer esta mensagem e tomá-la como lição.
Santa Iria
Dentre a vida de santas estudadas, a de Santa Iria, que se encontra no Flos
Sanctorum (1513), tem sido a mais abordada. Pe. Avelino de Jesus considera que o
original seja o latino em o Breviário Bracarense de 1470. No entanto, Almeida Faria
acredita ser esta a Santa Iria de Tessalônica e que a Santa Iria à qual nos referiremos
data do séc. XV8. A narrativa localiza-se perto do rio Nabão e o corpo de Santa Iria
flutuará pelo Zêrere até chegar aos pés do monte Cabilicrasto, hoje Santarém, no Tejo,
onde foi erguida a capela de Santa Iria. Conta a narrativa que Santa Iria foi tentada duas
vezes, uma por Britaldo, um mancebo nobre, filho do Conde daquelas terras, que dela se
enamorou perdidamente e outra pelo monge Remígio, seu mestre.9 Ela recusa ambos. O
amor de Britaldo era inconcebível em virtude da condição religiosa de Iria. O jovem fica
inconsolável, mas o monge, que além de ser religioso, tinha sido seu conselheiro, não
aceita a recusa. Tentado pelo diabo, prepara-lhe um sumo de ervas, que tinha o poder
que inchar a barriga, fazendo-a parecer grávida, e, portanto, em estado de pecado.
Mandou que um escudeiro a assassinasse e o corpo de Iria é jogado no rio. Deus revela a
verdade a seu tio-abade, e, numa cena bíblica, as águas do Tejo se abrem como as do rio
Jordão dando passagem a ele e ao fiéis seguidores para saberem da verdade e novamente
se fecham sobre seu corpo, guardando-o.
15
Segundo Lucas, esta é uma das poucas lendas em que o lugar está bem
determinado, assim como o percurso da santa, além do tempo, ela costumava «ir dia de
Sam Pedro» à casa do santo (Hagiografia 115).
As santas nas hagiografias não se deixam afetar pelas tentações. Há uma vontade
anterior, fixa e determinada, de seguir o caminho da ascensão. Sua glória não é terrena.
Se fizermos uma leitura feminista, ver-se-á que Santa Iria é condenada pelo fato ser
mulher (Lucas, Hagiografia 117) e virgem. A mulher é a tentação do homem, e é ela que
atrai o diabo; a imagem mulher-demônio é uma constante na literatura até quase o
século XX. O jovem nobre não podia resistir, é mostrado como um ser submisso às
vontades da mulher, o que vem a ser outro subterfúgio para tentá-la; já a atitude do
mestre é uma contradição, pelo fato de ser seu superior em poder e conhecimento, mas é
novamente a mulher-demônio que o tenta. Se ela lhe é inferior, não podia negar sua
vontade e, portanto, é castigada. A mulher é considerada pecadora por natureza, e esta
dupla tentação é simplesmente para tentar confirmar o que já era de conhecimento
comum para os homens, ou seja, o estereótipo de pecadora. Mas a força divina se opõe à
terrena, os valores espirituais aos materiais, e assim os valores morais são passados
adiante.
O que é peculiar nesta narrativa é o querer da santa, mostrado por meio de uma
série de «eus» que se repetem: «eu por virtude de deos ja uso de tanta razom ... que eu
sei o que devo escolher...». Diz Lucas: «Ela é o verdadeiro sujeito caracterizado pelo
/saber/. Sujeito cognitivo, ela recebera não só a sabedoria ministrada pelo professor mas
também a razom, o entendimento ofertado por Deus. Por isso ela se declara autónoma
através do uso daquele eu, marca da pessoa que fala e que assume aquilo que diz,
enquanto sublinha essa subjectividade através da repetição eu ... eu» (A imagem 339).
16
O monaquismo feminino
Os mosteiros femininos começam a surgir em maior número no século XIII.
Entra as ordens havia a dos beneditinos, a de Cister e posteriormente a franciscana. As
mulheres da nobreza preferiam as ordem cisterciense. Instituições femininas na Idade
Média estão ligadas à mulher religiosa dentro da historiografia portuguesa. Existem
poucos estudos a este respeito e vamos nos deter no de Júlia Isabel Coelho Campos
Alves de Castro, O mosteiro de S. Domingos de Donas de Vila Nova de Gaia (1345-
1513).10 As donas abandonavam a vida em sociedade, preferindo a solidão monacal, o
que deu origem a mosteiros que faziam parte de ordens religiosas. Cada instituição
possuía uma Regra da Ordem. Estas ordens eram elaboradas por homens, o que tornava
estes institutos religiosos dependentes dos mosteiros dos frades (Castro 22). Cabia a eles
também decidir quanto «à guarda das chaves das portas do mosteiro» (24). Seu poder
era aumentado por meio de documentos de procuração que faziam parte dos contratos
estabelecidos entre o mosteiro e a outra parte. Havia procuradoras, mas a sua função era
de ater-se à contabilidade.11 Cabia ao mestre da ordem designava a prioresa. Portanto,
todo o poder da instituição feminina estava em mãos masculinas.
Para ser admitida na ordem dominicana, a postulante era sabatinada pela prioresa
e por duas freiras quanto a idade, costumes, condição física , psicológica e intelectual
(35). Uma vez aceita, entrava no noviciado que durava aproximadamente um ano, onde
recebia instruções religiosas e quanto ao comportamento: «humildade do corpo e do
coração, e obediência, devendo ainda ser instruídas a manter o olhar baixo, e em que
circunstâncias, devem manter-se silenciosas...» (36). O dia-a-dia alternava-se entre
orações obrigatórias e orações particulares que ocupavam o tempo ao longo do trabalho.
Podiam comunicar-se com o mundo exterior por meio de um ralo e uma roda, com a
devida autorização da prioresa e em companhia de outras freiras (37). Pela roda
17
entravam e saiam objetos, mas não havia visibilidade de nenhum dos lados. A
alimentação era intercalada com períodos de jejum, no qual consumiam caldos, um a
dois por dia. Suas culpas eram devidamente castigadas. Os pecados consistiam em
esquecimentos de lavor ou da oração até certos tipos de desobediência. Os castigos
sofriam uma gradação, havia a leve culpa que requeria rezas ou a agravada culpa com
«castigos corporais e afastamento da mesa comum» (38): «peça perdam e com muitas
lágrimas diga a crueza do seu grave pecado, e desmetida (desnudada) ates a ciinta seja
açoutada aos pees de todas» (39) Caso houvesse reincidência, a culpa era sancionada
com a proibição de usar o hábito, afastamento do convento ou encerramento isolado.
Neste mar de rosas viviam as mulheres dominicanas emparedadas, oprimida
pelas regras impostas pelos frades e pelas colegas de hierarquia superior no convento.
Não existiam para a vida e não existiam para si mesmas.
Às mulheres que viviam no convento e que queriam abraçar a vida religiosa
eram concedidas certas regalias, recompensas pelos serviços prestados à igreja. O
regalismo vem a ser o sistema político daqueles que defendem os direitos do Estado em
suas relações com a Igreja. Esta prática começa a ser cerceada no período pombalino,
quando, além das expulsão dos Jesuítas, em 1759, comunidades eclesiásticas começam a
ser extintas. A vida religiosa nas comunidades femininas é cerceada durante os reinados
de D. Maria e de D. João VI. Paulatinamente o ingresso na vida religiosa torna-se mais
difícil para as jovens ou senhoras interessadas no noviciado, porque é necessário
requisitar-se a autorização régia. José Marques faz uma análise do Convento de Nossa
Senhora dos Remédios, em Braga, de religiosas franciscanas. A partir de 1778, o
formulário das autorizações episcopais revela uma mudança radical, pois quem
efectivamente concede ou nega autorização de ingresso nos mosteiros e conventos é a
Rainha..» (Marques 10). Esta licença tornou-se mais rígida, porque não era apenas para
18
entrar em religião, mas para qualquer entrada no convento.12 Por que as mulheres
desejavam ingressar na vida religiosa? Há vários motivos: (1) por vocação, (2) para
renunciar ao mundo e ter uma vida mais tranquila e contemplativa; (3) por segurança, no
caso de mulheres cujos maridos se deslocavam para o Brasil ou em outras funções do
exército; (4) para ter um lugar por ser solteira; (5) por um casamento desfeito; (6) para
obter autonomia e poder, o que não seria factível na sociedade civil masculina; (7) por
conforto, para tanto, podiam trazer criadas. Portanto, o ingresso na vida religiosa tinha a
função de resolver problemas pessoais, familiares, ou seja, sociais, em primeiro lugar.
Isto «chegava a redundar num autêntico tormento para as protagonistas» (Marques 21).
As donas necessitavam de um pecúlio para poder entrar na vida religiosa, cabia a elas
pagar suas despesas, sustentar a si e à/s criada/s se houvessem. Estas condições tinham
por objetivo dificultar ou impedir o ingresso na vida religiosa e «constituem um
verdadeiro atentado à liberdade da mulher» (Marques 22). Nota-se claramente que a
autoridade régia sobrepunha-se à religiosa. Com as regalias, além da presença de
criadas, havia constantes visitas da família e de amigos, descaracterizando a vida
monacal.
O mesmo caso ocorre no mosteiro de Chelas, estudado por Maria Filomena P. de
C. Andrade, onde senhoras, na Idade Média, solteiras ou viúvas ingressavam, após
terem decidido, por vontade própria ou familiar, «abandonar o mundo». O nome de
dona, que adotavam é consequência de sua condição social, que não é nem de clausura,
nem define seu estado civil. E provém frequentemente de sua obrigação de aí estar
devido a exigências familiares. Ao lado do sagrado, o convento «é também o espaço do
profano» (Andrade 12), porque as senhoras aceitas são de famílias abastadas da
sociedade portuguesa. Estas senhoras conservavam o nome de família mesmo dentro da
Igreja e a família continuava a intervir para conservação do patrimônio. Dentro do
19
convento havia vários cargos administrativos, entre os quais citamos os de prioresa,
subprioresa, vigária, mordoma de vestiária. Alguns destes cargos eram de poder, porque
o social e econômico estava interligados ao religioso. Portanto, para gerir o patrimônio
do convento e cuidar dos interesses pessoais - o dote que as senhoras levavam ao
ingressar - havia a necessidade de uma estrutura administrativa, o que «revela uma
interpenetração clara de duas esferas da vida, a espiritual e a temporal» (15):
As donas vivem das rendas que cobram no seu domínio, entregue ... a
diversas actividades produtivas, sujeito a constantes flutuações da produção.
Assim, reveste-se da máxima importância, a política contratual usada pela
mosteiro. Esta permitir-lhe-á rentabilizar os bens e, simultaneamente, sair de
uma crise, visível na ruína das instalações do convento [de Chelas, neste
caso] e nas dificuldades que, um património disperso, mal aproveitado e
sujeito a interesses alheios revela. (Andrade 81)
Os conventos femininos sempre geraram polêmicas tanto em Portugal como
além mar. Bethencourt13 estuda as dificuldades que teve o convento de Santa Mônica de
Goa (1606). As causas são problemas de ordem econômica e social. Mais do que as
limitações régias, Bethencourt acredita que as divergências tenham sido de ordem
interna, «conflitos entre os poderes seculares e os poderes eclesiásticos, conflitos entre
ordens religiosas, conflitos entre diferentes formas de conceber a espiritualidade, a
prática religiosa e a vida interior dos conventos» (632). Na base de todos estes conflitos
está a hegemonia masculina, o controle das mulheres pelos homens quanto à «honra
familiar, a disciplina social e a colocação dos ‘excedentes’ em depósito» (632). O
conflito do mosteiro de Santa Mônica foi resolvido graças à «entrega dos bens do
convento à Coroa e [à] sua integração no padroado régio» (644) e por causa de um
milagre. A imagem do Cristo, que estava colocado num grande crucifixo, começou a
20
mover-se: o Cristo abria os olhos e olhava as religiosas com misericórdia, a boca moviase
como se quisesse falar, e da testa escorria sangue das chagas produzidas pelos
espinhos da coroa. Diante do inexplicável, as discórdias foram silenciadas.
Todas estas dificuldades em estabelecer e conservar conventos femininos só
corroboram para que a imagem feminina para os homens seja uma de fardo (a mulher
tem que ser sustentada pelo homem), de estorvo (quando não casa, há necessidade de
cuidá-la) e de perigo (a honra familiar esta sempre ameaçada).
Nem só de rezar viviam as monjas. Trabalhavam em conjunto com os monges na
cópia, na ilustração de textos e na composição de códices. Apesar de não constar o nome
de nenhuma mulher pintora, sabe-se que as havia muito hábeis no pincel, em trabalhos
miniaturistas. A freira Isabel Luís, do Mosteiro d Jesus de Setúbal, iluminou um missal
em 1481.14
Rainha Santa Isabel
Entre as mulheres heróicas, há uma que foi rainha e se tornou santa. Trata-se da
Rainha Dona Isabel, esposa de Dom Dinis, sexto rei de Portugal. A vida desta rainha
tem sido recontada por inúmeros autores e segue uma trajetória impecável: infância,
casamento e viuvez. Faz parte de um grupo social predominante e sua atuação sempre
foi exemplar:
1) amor e respeito aos pais, acatando suas decisões;
2) mãe amorosa com os filhos;
3) esposa compreensiva com relação à infidelidade do marido, cuidando inclusive dos
filhos bastardos dele (Fernández 7-8).
21
Como boa católica, confessava-se, comungava, mostrava humildade e
reverência, assistia à missa diariamente, orava, era devota do Cristo, da Virgem e dos
Santos, e praticava a caridade. Grande parte de suas rendas eram investidas em
fundações religiosas e sociais e dadas em forma de esmola. Ajudava filhas de nobres
cavaleiros sem recursos para as quais pagava a educação, o alimento e dava o dote para
o casamento; por outro lado, auxiliava mulheres marginalizadas como as prostitutas a
quem dava roupa e comida para se manterem afastadas do pecado e construiu um
hospital em Coimbra onde pudessem residir. Portanto, a Rainha Isabel possuía todas as
virtudes tanto laicas como religiosas para tornar-se santa: uma origem real, experiências
e comportamento femininos e práticas religiosas. Apesar de pertencer à realeza, era
desapegada dos bens materiais mundanos. Mulher instruída, lida, usava o tato nas
intervenções políticas e administrativas (direção do convento de Santa Clara).
Para narrar sua vida, escolhemos a versão popular de Antônio Vasconcelos
(1892) para expor suas qualidades .Desde pequena, esta jovem mostrava qualidades
espirituais: orava e meditava diariamente, observava o jejum nos dias santos, confessava
frequentemente, «como se fosse grande peccadora» (9). Em 1325 fez uma peregrinação
a S. Tiago de Galiza, ocultando o seu nome e categoria. Sabia-se que pelo caminho
havia uma peregrina caritativa. Através de sua vida, a virtude da caridade foi a mais
notada, em forma de esmola, mas também de conselhos. Durante a fome que grassou em
Portugal em 1333 chegou a vender suas jóias para poder comprar pão para os famintos.
Todos os gestos sempre foram acompanhados de extrema humildade. Quando faleceu
solicitou, em testamento aberto pelo rei D. Afonso, que fosse enterrada na igreja do
convento de Santa Clara em Coimbra. O sol era intenso e havia receio de que o odor da
decomposição do cadáver durante o traslado do corpo importunasse os acompanhantes.
A viagem durou sete dias, e das fendas da tábuas do ataúde escorria um líquido com
22
«um aroma delicioso, que a todas inebriava» (36). A partir de então, sua santidade fez-se
sentir e os milagres se multiplicaram: Constança Anja, de Évora, tinha um cancro no
rosto, que lhe corroía lábios e gengiva, quando o ataúde da rainha passou por ela,
invocou seu nome e os tecidos desfeitos foram restaurados. Noutra ocasião a religiosa
Anna Azpilcueta, paralítica há muito tempo foi aconselhada a rogar à Rainha Santa.
Orou e ouviu uma voz: «Acorda; um grande estremecimento sacode-lhe com violencia o
corpo todo. Salta fóra do leito, veste-se e corre ao côro, onde àquella hora as suas irmãs
cantavam matinas. Todas pasmam, choram de alegria por verem a paralytica andar com
passo seguro, e dão graças a Deus e à Rainha Santa por um tal milagre» (39). Mas
Coimbra é seu lugar de repouso na terra e onde é mais venerada. Os milagres continuam
aí sempre que invocada.
Um dos percursos para a obtenção de sua santidade foi a oração constante,
rezando «as oras canonicas e as oras de Santa Maria e dos passados (defuntos)»
(Martins, Estudos 1969:172). O Livro de Horas era a fonte principal de apoio e as
orações eram em forma de súplicas para sua bem-aventurança; rezas à Virgem Maria
pedindo consolação, santidade, saúde, paz, prosperidade, alegria, abundância de bens
temporais e espirituais, vida honesta, honrada e santa para praticar caridade (167).
Conhecia as «oras canonicas» tão bem que chegava a corrigir os clérigos quando
erravam (191).
Por ser Rainha, a sua categoria a distancia da noção de mulher; é colocada acima
dos males e das tentações e assim salvaguardada das maldições. Seus valores são
exaltados, mas sua condição de rainha lhe dá um status econômico que permite a
realização da caridade.
Não se sabe onde a história termina e a lenda começa. Diz Figanière que os casos
sobrenaturais narrados são: «1o. O ter salvado a filha, D. Constança, do purgatório
23
mandando dizer missas durante um anno ...; 2o. O ter sido visitada no leito da morte por
uma dama, que ninguém teria visto a não ser a moribunda...» (260). Supõe-se ter sido
uma mensageira de Deus ou a a própria Virgem Maria. Há ainda uma série de curas
milagrosas, sobre cuja veracidade Finganière se expressa: «E não cuidem que essas
suppostas curas eram invenções do author da Lenda: salvemos ao menos a sua memória
da pecha de falsário» (260), e diz ter encontrado no cartório de Santa Clara de Coimbra,
um pergaminho contendo o depoimento de duas mulheres, Catalina Lourenço e
Domingua Domingues, que alegam terem sido curadas por ela.
A história da vida da Rainha Isabel e a sua santidade passaram de fato histórico a
lenda, e tem sido continuamente narrativizada através dos séculos. Vitorino Nemésio a
reconta em Isabel de Aragão, Rainha Santa. José Mattoso, no prefácio da obra, mostra
ser esta uma obra de ficção: «De facto não tem nada de científico nem de técnico. O seu
fundamento é a pura imaginação. Ao contrário, porém, do que acontece no romance, a
ficção apoia-se numa realidade histórica, reconstruída, também, ela própria, mas sobre
bases verídicas. Nem por isso deixa de ser imaginação pura, porque recria sentimentos,
intenções, crenças , juízos interiores» (Nemésio 9). Nemésio apoia-se nas obras de
Figanière15 e de António de Vasconcelos (1894), mas não menciona a obra de António
Patrício. Criou uma Isabel «diferente, obviamente, da do imaginário popular, mais
realista do que a do dramaturgo ... inteiramente humana, quase terra a terra...» (13).É
uma personagem muito realista, em oposição a de Patrício que sugere um «erotismo
místico» (14).
António Patrício escreve uma peça em cinco atos, intitulada Dinis e Isabel,
Conto de Primavera.16 Diz o autor: «Nada de história e quase nada lenda: só o milagre
das rosas em motivo» (177). Na didáscalia inicial explica que a ação termina no quarto
ato, e que o quinto é uma «tragédia estática». É a tragédia de uma homem que amou
24
uma Santa e Patrício deu-lhe o subtítulo de Conto de Primavera, porque quis dar uma
visão dramatizada do Livro de Horas, livro de cabeceira para as rezas, como «o sonho de
alguém que uma manhã de Primavera, entrasse numa igreja e adormecesse, sob a
influição fulgurante dos vitrais». Quis deixar mais uma imagem lírica do que uma
narrativa, a luz através dos vitrais, o perfume das rosas, e uma Rainha Santa diáfana a
deixar uma brisa de amor à humanidade.
Santa Senhorinha
A história de Santa Senhorinha data de 924-982, e situa-se no noroeste
hispânico. Foi batizada como Domitila (ou Genoveva), mas o pai afetuosamente
chamou-a de «senhorinha». Sua tia materna, D. Godinha, cuidou de sua educação.
Senhorinha frequentou o mosteiro de S. Jorge de Basto, atual freguesia de Santa
Senhorinha de Basto, no concelho de Cabeceiras de Basto. Sua história é recontada por
vários autores. Escolhemos a versão de Torquato Peixoto de Azevedo (1845).17
Senhorinha foi educada dentro da religião, conservando como qualidades a virgindade,
que está acima do casamento; a vida consagrada ao Senhor; e o martírio, a autoflagelação,
como méritos espirituais. «Senhorinha apresenta-se ardente na sua devoção,
desejosa de mortificação corporal e exuberante de linguagem mística» (Freire 37).
A mulher-bruxa e feiticeira
Francisco Bethencourt em O imaginário da magia, detém-se no estudo da
diferença terminológica destas figuras. As bruxas eram «mulheres isoladas e idosas, que
lançam mau olhado e pactuam como demônio» (26) São representadas como um
«modelo anti-feminino e um símbolo de má mãe». (27) Devido a estas qualidades, a
bruxa e feiticeira é segregada pela comunidade, que lhe atribui poderes impenetráveis.
25
Ela lança mau olhados sobre bens alheios e uma de suas funções é auxiliar os
interessados em ligações amorosas. Há ainda as benzedeiras e curandeiras, que possuem
algumas das qualidades atribuídas também às bruxas e feiticeiras. Apesar dos dois
termos aparecerem como sinônimos, Bethencourt cita, entre outros, Alves para salientar
uma diferença entre bruxa e feiticeira: «Na crença popular, a bruxa é sempre uma velha
e relha mal encarada e a feiticeira uma nova, de aspecto mais agradável, embora uma e
outra tenham poder para ferir...» (28).18 O termo bruxa é mais usado quando envolve
danos causados a crianças. Na Idade Média, ao conceito foi acrescido «o pacto com o
demónio» (32).
A palavra, nem só de Deus, tem um poder mágico. Palavras encantatórias
tinham o poder de fazer milagres de amor. Cita Bethencourt o caso de Cecília Fernandes
que usava o procedimento de fechar a mão, ocultando o dedo polegar sob os outros,
dizendo: «eu te emcamto com Deos padre e Deos filho e Deos Espiritu Santo e com hos
sete amjos da corte do ceo e co bem avemturado São Sillvestre que aperta a boqua a
serpe e o coração do lião» (79).19 Estes encantamentos podiam também ser feitos a
distância, e os mais audaciosos invocavam o demônio. Nas cerimônias, o amado era
frequentemente animalizado, mormente em forma de asno e miolos de asno eram
torrados e moídos e dados ao amante. «A versão mais complexa prescreve que se
confeccione um bolo com miolos de asno e água benta com que se tinham lavado todas
as conjunturas do corpo da interessada. Esse bolo devia ir a cozer no forno às avessas
depois de invocados os demónios, sendo dado a comer ao amantes a uma quarta ou a
uma sexta feira»20 (82). Outros animais como o frangão preto, andorinhas, lobo, galo e
cão também eram usados. O demônio é zoomorfizado como bode e serpente. Ao lado do
reino animal, ao vegetal, como a cevada e a fava, eram atribuídos poderes e serviam de
elementos na manipulação das cerimônias.
26
A insegurança e a desconfiança dos seres humanos, são sentimentos difíceis de
serem encarados, por isso, a bruxa e a feiticeira serviam como elementos intermediários
para interceder e estabelecer a ponte entre o sujeito e o objeto do seu desejo.
Manice
Sobre a manice, há dois textos, um atribuído ao Visconde de Asseca, Defensa
Femenina / em abono da Manisse / das Senhoras Mulheres / contra a murmuração dos
hom~es; outro de Fr. João Manuel, Invectiva da fermosura contra o indecoro abuzo da
manice em resposta à defença / feminina feita para manifesta ainda que indigna /
protecçaõ do mesmo dilirio.21 Manice significa grande amizade, convivência,
especialmente entre mulheres (Dicionário de Moraes). Rafael Bluteau (Vocabulário
Português e Latino, 1716) explica que mano e mana «são palavras affectuosas que
dizemos aos meninos, ou pessoas a quem queremos bem». Em Defensa Femenina a
manice aparece como «amor de s~y mesmo», já em Invectiva de Fermosura, o autor
conecta a manice só com formosura e em tom satírico, liga mana, raíz do termo a mona,
ou seja, macaca e desfaz a defesa apresentada pelo Visconde de Asseca. Hatherly
salienta os dois processos de persuasão da época: o sério e o jocoso (Defesa 5). O
Visconde de Asseca faz uma defesa da manice no sentido de que as damas eram
superiores aos homens e, portanto, uma amor «inferior» não seria viável por parte delas:
«Condemnam as Manisses como repugnantes á natureza; sendo h~uns affectos, que
parecem conformes / á razaõ: que inclinaçaõ há taõ justa, como agradarse huma Dama
da outra Dama?» (9). Fr. João Manuel não entra na prática da manice, «do uzo naõ direy
nada», o que poderia proporcionar-lhe argumentos favoráveis, como se pode verificar
em livros posteriores do século XIX.22 No entanto, como o ingresso na vida religiosa era
a única alternativa para muitas mulheres, não sendo esta sua vocação, ocorriam desvios
27
e libertinagem. Mas mulheres como Sóror Violante do Céu escreviam poemas a
mulheres, costume na época, o que pode ser interpretado maliciosamente.
Prosa didática
O primeiro homem a defender, por escrito, os direito e a igualdade de capacidade
das mulheres foi Rui Gonçalves em Dos priuilegios & praerogatiuas ~q / ho genero
feminino t~e por dereito com~u / & ordenações do Reyno mais que / ho genero
masculino. / Apud Ioann~e Barreri~u Regium Typographum./ Anno Domino. 1557.
Para os homens, «as molheres são de pior condição que os homens, em muitas sentenças
e conclusões» (Pinho 206). Os homens inferiorizavam a mulher pelo seu tipo de vida e
costumes, o que o autor julga injusto, além do fato deles acusarem «a natureza por
produzir fêmeas e não machos» (207) Esta tradição misógina e anti-feminista vinha de
longa data e, em face disto, Rui Gonçalves tenta reabilitar e dignificar a mulher.
Tecendo comentários, mostra que a mulher era tão dotada em saber quanto o homem,
desde que lhe dessem acesso ao conhecimento. As prerrogativas, que enumera, são de
caráter jurídico, social e econômico. Exemplificando respectivamente: «a mulher
condenada por adultério pode ser solta da cadeia pelo marido sem cumprir a pena, se
este lhe perdoar (Prerrogativa 12), ... «a mulher plebéia receber[á] todos os títulos de seu
marido fidalgo (Prerrogaitva 46)» (Pinho 213). Quanto às prerrogativas de caráter
econônico, estas visavam sobretudo preservar a dote matrimonial. Aquilo que pareciam
privilégios que os homens concediam às mulheres eram de fato direitos, que a lei não
acobertava e que mostram a posição inferior da mulher. Contra estes desmandos
levantou-se Rui Gonçalves.
Gonçalo Fernandes Trancoso sugere que a mulher aprenda primeiro as letras
para depois pleitear outras coisas. Literalmente elabora um Abecedário Moral, cuja
28
leitura recomenda às senhoras e que o aprendam de cor: - «Pela letra ‘A’ quero dizer a
Vossa Mercê que seja amiga de sua casa; ‘B’ - benquista da vizinhança; ‘C’ - caridosa
para com os pobres; ‘D’ - devota da Virgem; ‘E’ - entendida no seu ofício; ‘F’ - firme na
fé; ‘G’ - guardadeira de sua fazenda; ‘H’ - humilde a seu marido; ‘I’ - inimiga do
mexerico; ‘L’ - lial; ‘M’ - mansa; ‘N’ - nobre; ‘O’ - onesta; ‘P’ - prudente; ‘Q’ - quieta;
‘R’ - regrada; ‘S’ - sizuda; ‘T’ - trabalhadeira; ‘V’ - virtuosa; ‘X’ - Xpaa (cristã); ‘Z’ -
zelosa». 23
Poderíamos nos estender examinando obras de igual teor, como este não é nosso intuito,
apenas as enumeramos cronologicamente: Espelho de Casados de João de Barros, 1540,
Tempo de Agora de Martim Afonso de Miranda, 2 vol., 1622 e 1624; Jardim de
Portugal de Fr. Luís dos Anjos, 1626; Casamento Perfeito de Diogo de Paiva de
Andrada, 1630; Descrição do Reino de Portugal de Duarte Nunes de Leão, 1630 (dedica
três capítulos às mulheres: cap. 88, Da honestidade e recolhimento das mulheres
portuguesas , e de suas perfeições; cap. 89, Do valor e ânimo das mulheres portuguesas,
e cap. 90, Da habilidade das mulheres para as letras e artes liberais); Carta de Guia de
Casados de Francisco Manuel de Melo, 1651; Hagiológio Lusitano de Jorge Cardoso,
1652; Teatro heroíno, abecedário histórico e catálogo das mulheres ilustres em armas,
letras, acções bélicas e artes liberais, 1736; Portugal ilustrado pelo sexo feminino de
Diogo Manuel Aires de Azevedo, 1734. Todos pregam a virgindade e a castidade como
valor maior e o adultério como mal maior.24
O Renascimento
Margaret L. King em sua obra A mulher do Renascimento divide as mulheres em
três grupos:
29
(1) Filhas de Eva: as mulheres na família, que incluem mães e filhas, esposas, viúvas e
trabalhadoras;
(2) Filhas de Maria: as mulheres e a igreja, que incluem as freiras, as santas, a
religiosidade desde a santidade a caça às bruxas;
(3) Virgo et Virago (a mulher donzela, rapariga e virgem e a mulher robusta, forte,
corajosa como um homem, também heroína, guerreira, mulher varonil): as mulheres
e a cultura, que abrange desde as mulheres fortes, poderosas e influentes, as
amazonas e donzelas armadas até as mulheres cultas.
A maioria das mulheres exercia a função de mãe, para não dizer de parideira.
Seu valor estava de acordo com sua capacidade de reprodução. Entre um parto e outro
havia o período de lactação, o qual impedia uma nova gestação. Como a mortalidade era
elevada, os filhos eram uma forma de preservar a família. Mas as mulheres temiam o
parto pela dor e pela morte (aproximadamente 10% morriam no parto), quer pelo parto
propriamente dito, quer por infecções bacterianas. Os bebês morriam com maior
facilidade devido à doença e pobreza, mas «também o faziam a raiva e o descuido»
(King 19). As crianças eram um fardo para a mãe, que frequentemente os matava. O
infanticídio era muito praticado, e a feitiçaria era um uso auxiliar. As bruxas eram
acusadas de infanticídio e s mulheres, que praticavam tal ato, eram castigadas com
morte por afogamento ou fogo.
As filhas eram indesejadas, porque constituíam uma ameaça ao patrimônio
familiar, ou tinham que ser sustentadas pelo resto da vida, ou levavam uma considerável
soma ao se casarem. Mulher solteira era inaceitável e o espaço que lhe restava era o
religioso. As solteiras, para manterem a pureza de sua linhagem, tinham a virgindade
como obrigação e, para que este estado fosse conservado, eram mantidas sob estreita
vigilância. O marido era sempre escolhido pela família.
30
Quando a mulher era transformada em esposa, cabia ao marido dirigi-la. Era dele
a autoridade. A maioria dos maridos eram mais velhos. À mulher cabia a casa, o
silêncio, a simplicidade, ou seja, «uma supressão total da sua vontade expressa, do
corpo, da voz, do ornamento» (King 51).A identidade da mulher casada passava ao
anonimato, era a sombra do marido, que tinha o controle sobre seu corpo e sua
sexualidade. A misoginia foi mais elevada no Renascimento do que na Idade Média. Diz
King, «durante os séculos do Renascimento, ... o lugar da mulher na família parece não
ter ganho, mas antes perdido, terreno» (King 58), o que parece uma contradição.
Que direitos tinha esta mulher? Elas podiam fazer testamento e dispor de seu
dote em favor de seus filhos (65). Esta mulher só alcançava a paz após a morte do
marido, quando dispunha de seus bens. Se não estivesse mais em fase de procriação,
podia usufruir deste estado, senão tentavam casá-la logo outra vez, mas em alguns casos
era incentivada a permanecer viúva para não delapidar o patrimônio, tendo em vista que
o novo marido iria usufruir de seus bens. A viuvez significa «a libertação de uma
escravidão física e psicológica a um marido» (São Jerônimo, citado por King 68). Mas
para aquelas cujos maridos não tinham posse, a viuvez era um período de grandes
amarguras e havia muitas, sobretudo porque os maridos eram mais velhos e sucumbiam
nas lutas.
A mulher do campo era uma trabalhadora experiente, domina os afazeres do lar ,
da terra e da fiação. Quando não tinha família tornava-se criada ou escrava, sujeita aos
apetites sexuais do senhor. Por último, restava-lhe sobreviver com o corpo. A
prostituição foi institucionalizada na Europa a partir do século XIV. Surgiu, então, a
figura da cortesã, poeticamente retratada na literatura por sua beleza e riqueza de
ornamentos.
31
Por trás dos muros da cidade, havia os muros do convento. A espiritualidade
atraía algumas, a necessidade a maioria. Os muros do convento eram um espaço de
enclausuramento. As mulheres emparedadas muitas vezes riam, se divertiam e tentavam
levar uma vida semelhante à que teriam em sociedade, porque não tinham vocação para
a espiritualidade. Tampouco tinham a possibilidade de fugir, porque fora muros não
havia lugar para recebê-las. Outras tinham ingressado no convento para fugir de um
casamento indesejado.
Mas havia as vocações reais, escolhendo como princípios a pobreza, a castidade
e a obediência. A virgindade era o valor maior, aquele que dava um lugar à mulher, pois
a excluía do círculo vital da sexualidade e da procriação. E tinham um esposo, o Cristo.
Outras procuravam no convento a paz e a dignidade que o mundo exterior lhes negava.
Ao lado das religiosas, havia outras mulheres que se reuniram para praticarem a
castidade e a pobreza em nome da caridade. Primeiramente consideradas heréticas, as
beguinas,25 formavam uma comunidade de pobreza voluntária. Muitas vinham de
famílias nobres e haviam renegado seu passado. Acolhiam entre elas também irmãs
pobres.
Muitas destas mulheres eram consideradas santas. Eram consoladoras e
curadoras, mas algumas transcendem e seu estado místico revela-se por meio de visões e
êxtases. As experiências místicas eram produto de sacrifícios físicos: «oração contínua,
genuflexões sem fim, uso de camisas de pêlo e outros instrumentos de mortificação
corporal, dormir pouco, ..., automutilação, isolamento, ...e, acima de tudo, pela fome
auto-infligida...» (King 132). O seu alimento era a Eucaristia, o corpo de Cristo. Estes
atos interrompiam a digestão normal e cessavam a menstruação. Seu sacrifício era
alimento para a humanidade. Estas foram as mulheres que atingiram um lugar invejável,
não só junto aos homens, mas do povo, em geral na sociedade renascentista.
32
Ao lado das santas, temos os bruxos, a maioria são mulheres. Enquanto a santa
comungava com e em Cristo, a teologia escolástica a colocou junto a Satanás. «O culto
do demónio ficou ligado à magia, criando a bruxa, cujos poderes miraculosos derivavam
da sua relação com o demónio» (King 156). Tanto a santa como a bruxa eram figuras
intermediárias entre a terra e um poder superior, desconhecido; eram um elo de ligação
para o bem e para o mal. As bruxas estavam sujeitas à tortura, se não confessavam, a
tortura era reiterada. Acabavam confessando, apesar de inocentes muitas vezes, só para
se livrarem do sofrimento. Outras eram mesmo sacrificadas, queimadas vivas ou
afogadas. Havia uma linha muito tênue separando a santa da bruxa, ambas curavam,
eram dadas a êxtases e sensações extracorporais.
Todas estas mulheres tiveram uma educação sumária, eram iniciadas nas
atividades domésticas e tarefas afins. Com o Renascimento o saber foi extendido ao
conhecimento da leitura. Christin de Pisan é a primeira autora a admitir que se as
mulheres tivessem a educação dos homens, se igualariam a eles. Um de seus méritos foi
o de classificar a mulher de acordo com critérios sociais, em aristocrata, burguesa,
camponesa e não com critérios sexuais, virgem, matrona, velha (King 236).
No Renascimento surgem as mulheres fortes e armadas, que, segundo os dizeres
masculinos, tinham «o sexo invertido», é a mulher-homem. A mulher culta era tida
como mulher soldado, pois havia invadido o campo masculino. A mulher travestida,
com trajes masculinos, como Joana d’Arc era proscrita. Esta atitude que parecia
avançada para época, era, no entanto, incoerente: a mulher trajada como homem
reafirmava a masculinidade e admitia a inferioridade feminina.
Esta é a situação da mulher no Renascimento. Joan Kelly26 afirmou de que, pelo
menos, para as mulheres não houve um renascer durante esta época. Mas David
Herlily27 acrescenta que o papel carismático da mulher como intermediária com o divino
33
outorgou-lhe um espaço único na História. Diz King: «algo mudou durante o
Renascimento na concepção da mulher sobre si própria, ainda que muito pouco tenha
melhorado na sua condição social» (King 246).
A Idade Média já não é mais considerada o período das trevas e anarquia, em que
o pensamento escolástico estava adormecido a espera da Renascença. Foi muito fecunda
a separação dos dois poderes - o Império e o Sacerdócio -, o poder temporal e o
espiritual. Esta autonomia, faz com que o indivíduo reflita sobre o seu mundo interior,
que passa a ser uma fonte de energia criativa. Externamente o indivíduo luta com o
poder temporal, internamente rejeita os modelos impostos e dá asas à sua imaginação.
Costa-Cabral diz que entre o século XI e o XIV, «adquire a sociedade europeia uma
plasticidade até então desconhecida» (Costa-Cabral 7).
Surge o feudalismo, no qual propriedade e soberania se confundem, mas o povo
passa a ser considerado, pois apoia o seu soberano, o rei. Teófilo Braga enfatiza que«o
desenvolvimento do Poder real realiza-se pela elevação do proletariado à independência
da burguesia, que à actividade guerreira contrapõe a actividade industrial, tornando-se o
poder militar meramente defensivo e estipendiado» (Braga 94). A igreja, a corte e a
burguesia são fontes de inspiração para a literatura. Nas cortes, as damas cuidavam da
galanteria e das boas maneiras, empenhavam-se na realização das festas e dos
passatempos. Os costumes bárbaros foram substituídos por cortesias, e as danças e
canções passaram a ser meios de sociabilidade. As narrativas converteram-se em
Novelas de Cavalaria. Fora da corte, nos burgos ou nas cidades livres, a atividade
industrial e mercantil desenvolvia-se ao lado da vida doméstica com suas pequenas
emoções pessoais
As guerras das Cruzadas também ajudaram a preparar a transição para a
Renascimento, que traz à Europa uma nova vida e novas esperanças, sem antes passar
34
sobre extremos como o poder absoluto da realeza e a intolerância da igreja. Com a
descoberta da bússola, da pólvora e da imprensa, o feitio da sociedade muda, a era dos
descobrimentos põe-se em marcha. Apesar destes desenvolvimentos científicos, o
Renascimento
foi um período de retrocesso para a mulher. Havia uma diferença marcante das
mulheres da corte e as do povo. As mulheres rústicas «mais pareciam homens que
mulheres, penteando-se sem grandes adornos nos cabelos e cobrindo o colo com um
pequeno lenço de seda ou lã, a que chamavam teada, deixavam ver francamente o rosto»
(Costa-Cabral 31, citando Pa?pplau). Já as infantas e irmãs de D. Afonso V usam
penteados mais elaborados. Segundo os dizeres do mordomo, este recebeu «um molho
de penas de pavão, seis barretes, uma crespina de oiro, quatro toucados de guardanapo;
um véu de seda, três toucas amendoadas e ...uma cabeleira» (Costa-Cabral 31, nota 1).
Os cabelos eram aumentados de volume com chumaços. Este mesmo mordomo recebeu
ainda «dez onças de miolo de junco» e ainda outras «cinco trunfas de miolo de junco».
A época também era propícia a feitiçarias, encantamentos e benzedeiras. O clero usava
as crenças para vender por bom dinheiro água benta e milagres (Costa-Cabral 42).
Com o Renascimento, certas palavras adquirem novo valor: tomada e conquista
de façanhas cavaleirescas passam a designar empresas da burguesia comercial. Carvalho
cita, como exemplo, a Revolução de 1383 que levou à conquista de Ceuta em 1415, e a
conquista de Ceuta que levou Portugal aos grandes descobrimentos marítimos (Carvalho
14). Conquista-se em terra e descobre-se além-mar, portanto, a palavra descobrimento
passa a ter maior força,28 porque os territórios descobertos seriam uma extensão da terra
continental.
Em literatura, os gêneros predominantes são: as crônicas, as descrições de terras,
os diários de bordo, os roteiros e os guias náuticos (Carvalho 19). Para verificar como a
35
mulher portuguesa era representada, as crônicas e alguns diários de bordo, são os textos
mais significativos. Esta literatura faz parte da literatura portuguesa de viagens e da
literatura técnica e científica, como a História trágico-marítima e a Peregrinação de
Fernão Mendes Pinto. Mas ao entrarmos nesta escrita, «nesta verdadeira história social
do pernsamento, nesta história em que as personagens são os cocneitos» (Carvalho 32)
ver-se-á que seu conteúdo ultrapassa o géneronoqual estas obras são inseridas. Esta
escrita pretende transmitir a verdade a partir da experiência - novo conceito de verdade.
A verdade pode ser em forma de experiência empírica, inteligível ou pela razão.
Carvalho mostra que «com Duarte Pacheco Pereira a experiência era aexperiência
empírica, a experiência do senso comum. Com D. João de Castro a base epistemológica
tonra-se o inteligível...pela razâo, pelo entendimento (Carvalho 36-37). Mas a
experiência tem que vir aliada à ciência.
Heroínas da expansão e dos descobrimentos
Este é o título de um estudo de Maria Regina Tavares da Silva, mas caracteriza a
mulher do Renascimento. A imagem que primeiro vem à nossa mente, são as
lágrimas de ausência de mães, esposas e noivas a se despedirem de seus homens,
embarcando para o continente africano ou americano, ou para terras ainda
desconhecidas.
Mas ao lado deste «valentes» homens há outras tantas mulheres corajosas, que
tomaram armas na mão, e lutaram ao lado dos homens., como relata Duarte Nunes de
Leão em Descrição do Reino de Portugal. Punham sua feminilidade de lado, e vestiamse
como homens, cujo traje era uma dissimulação contra o inimigo. A chamada
«fraqueza do sexo» era substituída pelo «varonil espírito» (Silva 14). Desempenhavam
as mesmas funções dos demais homens: no mar, trepavam o mastro do barco e
36
cuidavam das velas, em terra faziam a vigia noturna enquanto seus colegas de sexo
oposto dormitavam. Ao lado da coragem e destreza, mantinham a honra, pureza e
honestidade. Terminada as obrigações de soldado, recolhiam-se às casas e continuavam
os afazeres domésticos. Duarte Nunes de Leão acha que «o ~q desta molher mais se
pode louuar he a honestidade cõ que s~epre procedeo andãdo entre tantos soldados feita
soldado comendo & dormindo na cama entre elles, vencendose assi mesma ~q he a
maior de todas as victorias» (Leão , fl. 149 v., in Silva 16).
As mulheres portuguesas, em geral, são pacatas donas de casa e mães de
família. Por isso o seu lugar na história tem sido tão restrito. Nunca foram
chamadas para desempenhar algum papel relevante nas conquistas e nos
descobrimentos. Quando os homens partiam, sua função era ficar em casa
esperando e este esperar era considerado um estado normal. As lágrimas cortavam
o coração dos viajantes que partiam, mas quando a costa se distanciava, aventuras
mais excitantes ocupavam-lhes a mente. Era proibido embarcar mulheres, mas muitas
chegaram às Índias. Possivelmente o capitão o sabia, pois difícil teria sido elas ficarem
ocultas a bordo por tanto tempo. O caso mais antigo registrado é de Iria Pereira, levada
por António Real em 1505 (Sanceau 21). Vasco da Gama declarou, em 1524, que
qualquer mulher encontrada a bordo fosse açoitada em público. Mas três foram
encontradas em Moçambique, e ele, já velho apiedou-se, deu cem reais a cada uma,
quantia esta que lhes proporcionou casamentos honrosos (22-3). Mas havia as «órfãs do
rei», jovens sem posse mas de famílias honradas, que eram confiadas a alguma senhora
da sociedade para casá-las na Índia, como é o caso de D. Maria Pinheira. Sanceau conta
o caso de Henrique de Sousa, um fidalgo de meia idade, filho natural de um pai que
possuía nove filhos legítimos. «No século XVI não se ligava à ilegitimidade qualquer
37
estigma social» (52-53), mas, sendo bastardo não lhe cabia fortuna familiar. D. Maria
casou uma das suas «filhas» com ele, a solução ideal para o mercado casamenteiro onde
só o dinheiro contava. Se tal não tivesse ocorrido, só restaria o convento para a rapariga,
que no início do século XVI ainda não existiam.
Conta Pero de Faria,que em 1527, Afonso de Albuquerque disse aos seus
homens que escolhessem mulheres capturadas nos haréns para esposas. A idéia de
casamento era contrária ao pensamento daqueles homens. Apresentaram-se os humildes,
condenados, enfim, aqueles que não mais regressariam à terra natal. Como consequência
deste ato, o rei D. João III foi informado, dez anos depois, de que já havia 450 famílias
constituídas, número este que havia dobrado em 1529.
A narrativa mais contada desta época é a que envolve o capitão Manuel de
Sousa, sua mulher Leonor e seus dois bebês. A vida tinha-lhe sido próspera e regressava
à pátria, quando seu galeão naufragou na costa da África do Sul. Primeiro os escravos
transportaram D. Leonor numa liteira terra adentro. Os acompanhantes foram adoecendo
e ficando pelo caminho. D. Leonor teve que caminhar desçalca e ajudar a carregar os
filhos. Fala-se de sua coragem e que nunca uma palavra de queixa fez-se ouvir dos seus
lábios. Chegaram a uma aldeia, a comida e água escassearam. Seguiram viagem e
chegaram a outra. Ela disse ao marido para nunca abandonar as armas. Não seguiu seu
conselho e em pouco tempo foram roubados, espancados e expulsos da aldeia.
Avançaram mato adentro, mas os cafres (nativos) os atacaram de novo e os despojaram
de suas vestes. D. Leonor lutou com unhas e dentes e só quando o marido disse: -
«Senhora, deixai que nos dispam! Lembrai-vos de que nascemos nus, e já que é essa a
vontade de Deus, acatêmo-la como castigo dos nossos pecados» (Sanceau 75). Cobriu o
rosto e o peito com seus longos cabelos, cavou uma cova no chão e enterrou-se até à
cintura. O marido afastou-se para conseguir alguma fruta como alimento. Ao voltar, D.
38
Leonor jazia inerte com um filho morto no colo. Mais adiante algumas escravas
choravam, em seus braços estava o outro filho morto. Nada mais lhe restou do que
enterrá-las. Ficou a imagem desta senhora, mulher corajosa, que apesar de ter sido
abastada, enfrentou todas as provações ao lado do seu homem.
As mulheres que já viviam muito anos além-mar estavam acostumadas à
insegurança, as novatas não. Tampouco estavam acostumadas com certas doenças e com
o clima impiedoso. Outro perigo que as ameaçava era a pirataria.
Um destes casos de doença é o que atingiu Lucrécia Borges Fialho quando partir
com seu marido Jorge Cabral para terras da Índia, em 1545. Cabral tinha tomado esta
decisão porque era filho segundo, para o qual não haveria futuro em Portugal. Seu filho
nasceu em Goa, quando o marido estava ausente. Morreu em poucos dias de cólera.
Pouco a pouco Jorge Cabral foi ascendendo na vida e um dia, quando morreu o
governador da Índia, Garcia de Sá, coube a ele substitui-lo. Não o quis, preferia
continuar capitão de Baçain. Sua esposa o incentivou: «Aceitai, querido, nem que seja
só para me dar prazer!» (90). Assim o fez. Grande festa foi preparada para a recepção do
novo Governador, e era isto que Lucrécia queria, mas Jorge Cabral trouxe-a para casa,
na escuridão. Nem ela viu ninguém, nem ninguém a viu. Mas não pode evitar o seu
desempenho de primeira dama por muito tempo, e assim o fez quando da visita do rajá
de Tanor.
A maioria das mulheres eram frívolas como Lucrécia. No verão queixavam-se do
calor, no inverno da lama provocada pelas chuvas. Iam pouco à missa, e eram por isso
consideradas relaxadas.
Havia muitas órfãs. Em 1545 foi fundado um asilo para elas em Lisboa. Apesar
dos homens de além-mar casaram-se com mulheres indianas, preferiam as brancas
portuguesas. Os tempos mudaram, primeiro casavam-se com as indianas, quando não
39
havia brancas, mas com o decorrer do tempo havia muitas mulheres euro-asiáticas e os
portugueses que iam para a Índia levavam consigo as filhas casadoiras, que tinham dote.
Assim, o mercado ficou suprido e as órfãs passaram a constituir um problema. Em 1546,
não se casava uma órfã sem dote. Pediu-se ao rei para não enviar mais noivas para a
Índia. O problema foi resolvido com a fundação do Convento de Santa Monica em Goa,
no final do século XVI e um retiro, o de Santa Madalena da Serrana, na colina de
Albuquerque, em 1510. Estas jovens já não tinham que temer o desconhecido além-mar,
podiam voltar-se para Deus; são as novas mulheres emparedadas.
As mulheres começaram a se inserir nas comunidades locais e a fazer caridade,
apesar de observarem «curiosas e perplexas, e por vezes com profundo desgosto,
costumes infelizes que a sociedade civilizada não conhecia» (125). Conta-se que D.
Filipa, esposa do capitão Diogo de Castro ofereceu seu colar de ouro e os braceletes para
que o hospital de Cochim se mantivesse aberto (1563)
Muitos destes maridos faleciam quer porque eram mais velhos, quer porque seu
trabalho tinha emboscadas incertas. Ser viúva era «um estado respeitável» para as
mulheres portuguesas, mas às indianas só restava a morte junto ao marido na pira
funerária, rito este chamado sati. A cremação era seu sacrifício. A outra alternativa era
converter-se à religião cristã, o que nem sempre era fácil. Há o caso da filha de Meale
Khan, convertida ao crisitanismo por Maria Toscana, mulher de Diogo Pereira, rico
cidadão de Goa, e que foi batizada no dia da Assunção de Nossa Senhora, 15 de agosto
de 1557. Abandonou seu traje típico, o purdah, e vestiu-se como uma portuguesa.
A força das mulheres também se mostrou no cerco de Diu, em 1538, quando
Isabel da Veiga e Ana Fernandes organizaram as mulheres para apoiarem seus homens.
Ana era esposa de um cirurgião e sabia cuidar de ferimentos. Prepararam-se claras de
ovo batidas para suturar as feridas. As outras mulheres juntaram-se a elas e formaram
40
um corpo de ajudantes, «ficando esta matrona [Isabel da Veiga] em todo aquele cerco
fazendo coisas dignas de serem celebradas...» (Couto, Déc. V., Liv. IV, Cap. I). Para
facilitar as tarefa, vestiam-se com os trajes masculinos. Outra Isabel - Isabel Fernandes -
abateu um inimigo a pancada e uma terceira, Isabel Madeira, ficou conhecida como a
«velha de Diu», porque tratava os feridos com carinho de mãe, encorajando e curandoos.
Ainda outra, Bárbara Fernandes, quando seu filho Cristóvão recebeu um tiro na
barriga, consolou-o «sustentando com as mãos as espedaçadas entranhas do filho, com o
rosto quieto e sereno e os olhos enxutos» (Couto, Déc. V, Liv. IV, Cap. I)29, permitindo
que se confessa-se a ela, tendo em vista não haver aí confessor. E assim partiu, mãe e
filhos consolados na paz do Senhor.
Outras mulheres ainda acompanhavam os maridos em viagens de navio. Muitas
jamais voltaram, porque muitos navios naufragavam e junto com elas as mulheres, cujas
saias lhes dificultavam os movimentos. Muitas mulheres ficavam em terra e os maridos
não voltavam por razões várias. Passados os anos, julgavam-se viúvas. Algumas
contraíam novo casamento. Houve casos em que o marido retornou, e a bigamia ficou
patente. O castigo podia ser quatro anos de desterro mais uma multa ao acusador. O/a
culpado/a tinham de «fazer penitência ao Domingo na igreja principal, permanecendo de
pé, descalço e de cabeça descoberta, uma vela acesa na mão e uma etiqueta indicando a
acusação» (164).
Esta mulheres foram ignorada pela literatura e os cronistas pouco falam delas.
Esta vida na Índia, inicialmente difícil, com o passar do tempo tornava-se agradável em
tempos de paz. As senhoras tinham criadas e escravas, outras utilizavam a costureira e
bordadeira, e vestiam-se luxuosamente porque as sedas eram baratas. A alimentação
exótica a princípio passava a fazer parte da alimentação regular e era apreciada. O
41
açucar era abundante para os doces e«a Velha de Diu recomendava à rainha o seu pote
de conserva de cravo-da-índia contra o frio do inverno europeu» (173).
Os costumes e as filosofias eram estranhas, mas as portuguesas se mostravam
adaptáveis. Em outras terras de além-mar, o sistema não foi diferente. O Brasil possuía
outros ingredientes perigosos: animais, répteis e insetos venenosos e algumas tribos de
índios canibais eram ameaçadoras. Muitas lágrimas, queixas silenciosas, um novo porvir
num mundo novo, não havia volta atrás.
42
Fernão Lopes (1380?-1460)
Obra feita com rigor e precisão, Fernão Lopes não trabalha com a tradição oral,
mas com documentos escritos, usando os «letreiros de sepultura (bitafes), os diplomas
das chancelarias reais, a correspondência oficial e particular, as procurações e
certificados, as práticas e sermões públicos, os textos de tratados e convenções de
capítulos de cortes» (Lapa 10, in Lopes). Seu estilo é cuidado, arcaizante por vezes,
introduzindo neologismos a partir de sua tradução do latim. Lapa menciona seu
«visualismo», no qual o autor procura mostrar «a cousa certa e como se passou » (Lapa
13).
Retrata a moral contraditória da época. O homossexualismo não era uma mal
maior e supõe-se que D. Pedro o tenha praticado com seu escudeiro, «el-rei amava-o
muito e fazia-lhe generosas mercês» e amava-o «mais do que se deve aqui dizer»
(Saraiva 41). No entanto, este escudeiro enamora-se de uma senhora casada, Catarina
Tosse. D. Pedro «cioso tanto das mulheres da sua casa como se seus funcionários» (40)
pune tal ato, mandando «cortar-lhe aqueles membros que os homens em maior apreço
têm. Afonso Madeira foi pensado e curou-se, mas engrossou nas pernas e no corpo
[antes era um jovem muito bem dotado fisicamente] e viveu alguns anos com o rosto
engelhado e sem barba» (41-42), antes que morrer de «morte natural». Não se sabe se D.
Pedro atuou desta forma para proteger a honra da senhora ou de ciúmes.
A mulher acusada de adúltera «fazia salvas», ou seja, punha as mãos no fogo.
«Se a queimadura não era grave provava-se que estava inocente» (159, nota 4). O
adultério da mulher era comum naquela época. Quando se trata de uma rainha, Fernão
Lopes prefere não correr risco, «porque muito melhor é calar tais cousas por serem
feias» (269).
43
Um dos episódios, em que a arte de Fernão Lopes mais se destaca, é o que narra
os amores do rei D. Fernando com D. Leonor Teles. Os homens sempre foram
considerados vítimas das mulheres, ele fora «ferido do amor dela» (73). Amor e
casamento não eram vistos como um par aliado, por isso quando o rei se apaixonou
aconselharam-no a desfrutar desse amor, sem casar-se: «E alguns diziam que melhor
teria feito el-rei se a tivesse por algum tempo e depois casasse com outra mulher» (79).
Bom senso e juízo eram recomendados a homens com tais sentimentos amorosos: «Pois
que já os antigos ensinaram que o rei na mulher que houvesse de tomar devia considerar
principalmente a nobreza da geração quem procedesse em contrário disto não era
inspirado pelo bom-senso, mas pela sandice...» (80).
Para que houvesse casamento, bastava a promessa, o juramento entre homem e
mulher resumia-se a um «recebo-te por minha; recebo-te por meu» ( A. H. de Oliveira
Marques 126). E tal parece ter acontecido entre o infante D. João e D. Maria. Ele ardia
de desejos por ela e decidiu casar-se secretamente, porque ele não a conseguira como
queria, na calada da noite, quando a visitou. Fernão Lopes a retrata , como uma mulher
manipuladora e insinuante, que o seduziu para conseguir seu intento: «Pois, senhor,
parecia-vos razoável a uma dona tal como eu, querê-la desonrar dessa maneira como se
fosse uma mulher vil?»( 102). E ela tem outros fortes argumentos: « Em verdade,
senhor, parece-me que bastava o parentesco que tenho com a infanta vossa sobrinha para
vos não atreverdes a isso» (102). Este casamento deveria ter ficado em segredo, mas D.
Maria passou esta informação adiante. Então foi a vez do infante vingar-se: «Vós
andastes dizendo que eu era vosso marido e vós minha mulher e fizestes com que se
falasse nisso pelo Reino todo até o saberem el-rei e a rainha e toda a sua corte, o que era
motivo para me mandarem matar ou pôr em prisão perpétua, sendo vossa obrigação
encobrir tal cousa contra toda a gente do Mundo» (109). Usa mais outro estratagema,
44
acusa-a de traição: «por isso ainda mais mereceis a morte, por me pordes os cornos
dormindo com outrem» (109). Mata-a, em seguida. A rainha ao sabê-lo sentiu muito sua
morte, sobretudo porque havia acontecido «sem culpa dela» (11). Mas a morte fazia
parte do cotidiano e ela consola o rei para que não ficasse triste dizendo, «porque eram
cousas que aconteciam pelo mundo» (111). A frialdade diante da morte fica patente, e só
falta a cortina do palco cair, pois toda a cena é um autêntico drama teatral.
Rui de Pina (1440?-1522)
Estilo bem diferente ao de Fernão Lopes é o apresentado por Rui de Pina. Seus
dados costumam não ser tão fidedignos quanto os de Fernão Lopes, mas a justificativa é
que usava dados de seus antecessores, Fernão Lopes e Gomes Eanes de Zurara, ou seja,
a história era reelaborada e omita fatos, motivos pelos quais era considerado como
plagiário por alguns. Ainda utilizava-se de testemunha verbal, difícil de verificação e de
veracidade duvidosa. Sua linguagem era mais rebuscada no sentido de que usava a
retórica para elogiar e não poupava adjetivos, na Crónica do Rei D. Duarte, quando se
refere ao infante D. Henrique: «O infante D. Henrique foi príncipe a que Deus dotou de
todas as virtudes da alma e das do corpo», «era de mui esforçado coração» com o qual
realizava «conquistas virtuosas» (Pina 85). Coelho acrescenta que «às vezes, o cronista
emocionava-se e as imagens deixavam as impressões digitais do criador»(Coelho, in
Pina 16). O mesmo ocorre na Crónica de D. João II, ao se referir a D. Leonor: «Nobre e
clara em sangue real, em proporção do corpo sobre todas formosa, mui honesta na vida e
mui humana sem quebra de seu estado, prudente, devota e em tudo mui amiga de Deus e
de el-rei» (Pina 142).
Textos sobre mulheres
45
A História tem sido feito por meio de «ações de poder», realizada por homens.
As mulheres estão do outro lado, do «sem poder»; a eles cabia a vida pública, a elas a
vida privada. José Matoso diz que o recôndito das mulheres é a «história das realizações
escondidas».30
31Maria Regina Tavares da Silva divide os textos sobre mulheres em três linhas
básicas:
1. Linha de louvor ou de exaltação das mulheres;
2. Linha de ensinamento e crítica;
3. Linha de reivindicação dos direitos das mulheres.
Do primeiro fazem parte: sec. XVI - Tratado em louvor das mulheres e da
castidade, honestidade, silêncio e justiça... de Cristovão da Costa (1525), sec. XVII -
Descrição do Reino de Portugal de Duarte Nunes de Leão (1610) e Jardim de Portugal
em que se dá notícias de algumas santas e outras mulheres ilustres em virtude de Frei
Luís dos Anjos (1626), sec. XVIII - Portugal ilustrado pelo sexo feminino de Diogo
Manuel Aires de Azevedo (1734) e Teatro heroíno: abecedário histórico e catálogo das
mulheres ilustres em armas, letras, acções heróicas e artes liberais de Damião de Froes
Perim (1736 e 1740).
As virtudes louvadas são «a castidade, honestidade, constância, silêncio, justiça,
recolhimento, talento das letras e artes, valor e ânimo nas acções heróicas» (64).
Louvava-se a mulher em família: mãe, esposa e filha.
Vamos nos deter na obra Jardim de Portugal. O texto, de 624 páginas, é um
«catálogo de santas e outras mulheres ilustres. Enumera-as e no índice as coloca
alfabeticamente. Por exemplo, «55. Santa Godinha dentre Douro, & Minho» do
Mosteiro de Vieira. As referências são sempre elogiosas e laudatórias: «ensinava, mais
com obras, que com palavras» (146, ortografia atualizada). Segue-se a história de Santa
46
Senhorinha de Bastos, assim chamada porque seu pai a criava com mimos e assim a
chamou. Era sobrinha de Dona Godinha, e entrou em seu mosteiro para «servir ali a
Deus até a morte» (147). Estas palavras usou quando o pai quis casá-la. Apareceu um
anjo ao pai e lhe disse que sua filha era «esposa do Rey da gloria» (148). Santa
Senhorinha pediu licença para «trazer cilício, e jejuar a pão e água todas as sextas
feiras...» (148), o que lhe foi concedido. Seu desconsolo é que não podia sofrer como os
mártires, então se auto-flagelava para através de um estado de sofrimento equivalente a
graça divina. Em vida, começou a realizar milagres, converteu «duas vezes água em
vinho» (149). Passou a abadessa do mosteiro quando sua tia faleceu e, um dia, faltando
pão no mosteiro, rezou fervorosamente ao Senhor. No dia seguinte encontrou «seis
cargas de farinha, que foram ali trazidas por seis camelos», guiados por um anjo, porque
ninguém viu quem os trouxera. Deus revelou-lhe ainda a data de sua morte, para a qual
se preparou: 22 de abril de 982, data com a qual outros discordam, mas sabiam que tinha
58 anos. Os milagres se seguiram depois de sua morte, e dissem que quando o arcebispo
de Braga, Dom Paio veio a Basto, e quis abrir o sepulcro, detê-se porque o corpo estava
intacto. Amiúde repetem-se dois fatos nas histórias de santas: (1) o corpo permanece
intacto depois da morte, e (2) exala um cheiro inebriante, de flores.
Frei Luís dos Anjos enumera rainhas entre as mulheres, por exemplo, «133. À
Rainha Caterina, pertence a Lisboa, «mulher de excelente prudência, e virtude, digna de
todo louvor por sua bondade, mansidão e piedade» (408). Morreu em 1578 louvada por
ter tirado «muitas mulheres de mau estado» (410). Catarina, A santa de seu nome era por
ela invocada em auxílio e assim conseguia as graças.
O autor também fala de mulheres sem nome como «162. Uma religiosa do
mosteiro de Santa Clara de Amarante» (481) morreu antes do vinte anos e, durante a
47
época da fome, apareceu «trigo milagrosamente crescido no celeiro», um milagre
atribuído a esta religiosa sem nome.
O segundo grupo contêm os discursos didático-pedagógicos: sec. XVI - Espelho
de casados de João de Barros (1540); sec. XVII - Casamento perfeito de Diogo Paiva de
Andrade (1630) e Carta de guia de casados de D. Francisco Manuel de Melo (1651).
O último grupo inclui obras reivindicatórias dos direitos da mulher , sendo um
autor masculino o que defende as mulheres, Rui Gonçalves (1557).
Nestes aspectos da história, a da mulher sempre constituiu a «história privada» e
a «história esquecida».32 Manuela Mendonça destaca alguns nomes que aparecem como
pano de fundo na história, mas que por detrás dos bastidores desempenharam papéis
relevantes.
Em 1245, Mécia Lopez de Haro casa-se com Sancho II, embora fosse viúva e
nem sequer princesa. Seu casamento, como os demais daquela época, fora negociado.
Eram primos e casaram «sem dispensa de parentesco» (26), o que criou um atrito entre o
monarca e o papa. Não teve filhos, ou melhor, não quis ter filhos e , por sua vez, Sancho
II esqueceu-se dela em seu testamento. Casamento adentro, ela passou à oposição do
marido, escolhendo Afonso III como sucessor, fato este que não teria podido ocorrer se
tivesse tido descendentes. As outra mulheres que se destacam pelo seu poder e força de
vontade são Leonor Teles de Meneses, que lutou para obter seu lugar junto a D.
Fernando. Uma outra Leonor, a rainha casada com D. Duarte merece destaque, porque
lutou contra duas forças, a de ser mulher e estrangeira. A última é D. Beatriz que se
casou com Fernando, filho de D. Duarte, que com sua presença conseguiu manter o
reino numa posição equilibrada e conseguiu evitar que o bastardo D. Jorge fosse elevado
ao poder por D. João II. Casou sua filha com com o filho de Afonso V, garantindo a
sucessão para o irmão, D. Manuel. Força sem poder, mas com eficiência.
48
Imagem da mulher
As mulheres da Idade Média não existem. O que delas ficou está em forma de
escrita documental, literária ou iconográfica feita por homens. Mas, como diz Duby, «o
importante, para mim é a imagem que dão de uma mulher e, através dessa, das mulheres
em geral, a imagem que delas tinha o autor do texto, aquela que quis deixar em quem o
ouviu» (I, 7). O que existe destas mulheres é sua representação que, na maioria das
vezes, é simbólica, é aquilo que os homens julgavam conveniente e correto. Muitas
foram descritas por religiosos, dupla distância, porque raramente delas se aproximavam.
O ciclo de vida da mulher estava restrito à sua capacidade biológica, da
fecundidade até a infecundidade. Logo que podia gerar um filho era casada e isto fazia
ininterruptamente enquanto era possível. O que o homem dela queria era sua linhagem e
descendência. Como viviam de gravidez em gravidez, e os maridos estavam longos
tempos ausentes, a autoria da paternidade era posta em dúvida e havia as adúlteras e não
eram poucas. Às damas da nobreza, a paz do corpo só começava quando o marido
morria e podiam usufruir de seu dote ou quando anos adentro a menopausa permitia esta
paz. Então, esta matrona passava a reger os filhos e sobretudo as noras e os netos, ou,
então se retirava para o mosteiro, igualmente com seus proventos. Portanto, o tempo das
mulheres resumia-se, segundo Duby, a três estados sucessivos: filhas virgens; esposas,
que copulavam, viúvas «devolvidas à continência» (I,156), em outras palavras,
virgindade, conjugalidade e viuvez (II, 175).
Amor profano e místico conviviam lado a lado. Do amor profano, o homem era
senhor absoluto e reinava sobre a mulher-objeto. «Os homens dão-na, tomam-na,
largam-na» (Duby I, 155). Exhibiam-nas como objetos de luxos, bonecas a serem
desfiladas para causar a inveja dos outros machos. Era a mulher vestida e muito
adornada que causava suspiros, não a despida.
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A mulher trazia o pecado dentro de si e, por isso, precisava ser domesticada. Era
má por natureza e teimosa, o homem a temia. Para amansá-la usava todos os
subterfúgios necessários, inclusive o de matá-la. O homem «deve dirigir (regere) e a
mulher obedecer (obtemperare), senão a casa, sem pés nem cabeça, corre para a sua
perda» (I, 157).
Mulher solteira não se admitia. Por isso muitas senhoras eram casadas com
pessoas menos nobres do que ela, pois o mercado matrimonial arregimentava os bons
partidos em primeiro lugar. Portanto, as damas eram «corpos dados, tomados, mantidos
de reserva pela qualidade do seu sangue...» (II,48). A única vantagem desta posição
superior da mulher é que, depois da morte do marido, era venerada pelos descendentes.
Se ela não estava «estragada», velha demais para reproduzir, casavam-na novamente,
quando era conveniente e não se temia que o patrimônio fosse delapidado.
Dentro da casa, a dona era senhora absoluta. Mandava na criadagem e a casava
segundo sua conveniência, o que era uma forma de cuidar dela e de suas respectivas
famílias. A mulher tinha o poder da casa, o homem o da espada. «Às mulheres era
proibido fazer correr sangue» (II,171).
Quatro palavras definiam a mulher no século XII. Duby as enumera: genere (.a
raça, a qualidade do sangue); forma (beleza do corpo); viro (satisfeita como marido que
lhe deram); liberis (confortada pelos filhos) (II, 178).
As mulheres eram donas da vida e da morte. Havia quatro formas de assassinato:
o aborto do feto; o infanticídio por descuido ou provocação; o assassinato do marido por
ervas ou outros líquidos mortíferos e o/a criado/a, quando estorvava. A morte de uma
criança era algo que já estava nas expectativas. No Amadis de Gaula quando Elisena dá
a luz , sua criada Darioleta, escreveu num pergaminho: «Este é Amadis-Sem-Tempo,
50
filho de rei».33 O sem tempo refere-se ao fato de que a criança teria pouco tempo de
vida.
Como as mulheres eram um elemento tão perigoso fazia-se necessário regrá-las.
Davam-lhes instruções e punham em ordem sua sexualidade em conformidade com os
valores sociais da época.
Nossa Senhora, «viu na Mãe de Deus a nova Eva, a anti-Eva, EVA, AVE:
inversão» (III; 182).
Rainha D. Brites
Bertha Leite faz uma crítica aos historiadores que exaltam «mais frequentemente
os sentimentos vulgares do que os generosos» (61) e tenta uma explicação: já na Idade
Média havia um interesse de agradar ao público e de produzir episódios com «sabor
heroico». A verdade é enfeitada e deturpada, não resta o fato verídico, mas a apenas a
verossimilhança do mesmo. Diz: «As figuras sublimes que passaram humildes e muitas
vezes inconscientes da própria cintilação, essas ficam mais depressa ignoradas só
porque não gritaram bem alto, nem consentiram que se fizesse barulho à sua roda» (61).
Uma destas senhoras esquecidas foi a Rainha D. Brites, Beatriz de Guillén, filha natural
de Afonso X, de Castela. Foi «caluniada» por escritores como Duarte Nunes de Leão e
Faria e Sousa, no seguinte episódio, como o relata Bertha Leite: «Em 1282 saiu Dona
Brites de Portugal acompanhada de sua filha a Infanta Dona Branca para acudir a seu
Pai Afonso X de Castela que amava estremosamente e fôra abandonado por filhos e
vassalos e destronado pelo infante Dom Sancho» (64). A acusação dos historiadores é
que ela foi a Sevilha para afastar-se do marido, negligenciando o cuidado com a família
51
real, quando este episódio lido por uma ótica feminina, como a de Bertha Leite significa
simplesmente uma ausência temporária para consolar e socorrer um pai numa hora de
infortúnio (64). A figura da Rainha Santa Isabel, por vezes, também é caluniada e seus
milagres diminuídos quando comparados com os de sua tia, a Rainha Isabel de Hungria.
Na memória do povo está fixado um milagre, desta rainha, semelhante a uma lenda de
Santa Cacilda. Ela socorria os cristãos presos e, para tanto, levava dinheiro escondido
em seu regaço. Certo dia foi surpreendida neste ato de caridade, e ao pedirem para
mostrar o que carregava, viam-se apenas rosas-- o dinheiro havia sido transformado
((76).
Copistas
Muitos manuscritos foram copiados por mulheres, apesar de seu nome não
constar no «cólofon», ou seja, a última palavra no término da obra, uma espécie de
recompensa para o copista. As copistas costumavam ser religiosas, mas também havia
leigas. Se as mulheres sabiam copiar é sinal de que sabiam ler. Régine Pernoud cita
inúmeras na Europa (64), na Idade Média.
Hábitos de higiene
Ao contrário do que se pensa, a higiene e o asseio eram recomendados, inclusive
às religiosas :«São Jerónimo condenava já as religiosas que confundem santidade com
sujidade!» (92). Às outras mulheres eram recomendada a higiene diária e «ter aquelas
[partes] sempre limpas, brunidas e esfregadas» (92).
Casamento
52
O casamento cristão é indissolúvel e assim permanece até hoje, com atenuantes:
o Concílio de Latrão, em 1215, reduziu o «impedimento de consanguinidade ao quarto
grau de parentesco» (166). O divórcio não é admitido, mas existe a separação amigável,
desde o Concílio de Agde (506). O consentimento dos pais para o casamento não se
torna mais necessário a partir do século VIII. O pai é mera testemunha, o padre ministra
o sacramento, mas precisa haver consentimento mútuo dos esposos. A maioridade para
o casamento foi estabelecida em 20 anos para o rapaz e 18 para a rapariga. Ma esta
prática variava sobretudo para as famílias plebéias, nas quais era levada em
consideração a maturidade da rapariga, 12 anos, e 14 para o rapaz. Isto torna os esposos
os próprios ministros do sacramento. René Metz (1962, in Pernoud 170)34 conclui que «
o direito canónico medieval era mais feminista na prática do que o direito canónico
contemporáneo». Todos estes princípios vêm água abaixo, pois se sabe que a maioria
dos casamento eram arranjados desde a mais tenra idade. Sobretudo para a nobreza, a
razão era mais importante do que o coração.
Beguinas
São pessoas de ambos os sexos, beguinos e beguinas, que tomam o hábito,
professam a castidade, mas não estão congregadas num convento, portanto, «são laicos
consagrados que levam uma vida quase religiosa, mas no mundo e sem que nada por
vezes os distinga no seu aspecto exterior» (254-55). Muitas viviam em comunidades, o
que resolvia o problema quando atingissem a terceiridade. No século XIII, as ordens
mendicantes vão dar origem às ordens terceiras, sob a tutela dos Dominicanos e dos
Franciscanos, «com vista à oração, à esmola, às obras de caridade» (255).
Caridade
53
O conceito de caridade era diferente na Idade Média do atual. Lepra, loucura e
pobreza eram os males da sociedade e seus representantes eram marginalizados. A
loucura ou sandice, como então era chamada, era mais tolerada e, sobretudo nos meios
rurais, a sua «simplicidade ingénua» (Mattoso, 1985:1226) era protegida. Os pobres
eram nômades, perambulavam pelas mesmas estradas que os peregrinos e como estes
estavam em busca da espiritualidade, o desapego e a generosidade faziam-se sentir em
forma de esmolas. Já os leprosos, pelo seu aspecto hediondo, tinham que manter-se em
lugares afastados. Só o clero praticava a misericórdia e o povo dava esmolas só em
certas ocasiões ritualizadas. Os clérigos enquadram a esmola liturgicamente, e «utilizam
a pregação para persuadirem os ricos a fazerem deles os intermediários da distribuição
coletiva» (Mattoso, 1985: 127). Pouco a pouco a caridade começa a ser organizada em
forma de instituições, como as Santa Casas de Misericórdia. 35
Vida conventual
Segundo José Mattoso (1985;223), «a trajectória de determinados movimentos
religiosos tem sempre uma relação com os interesses e necessidades dos grupos e da
classe dominante que os encorajam ou recusam» (1985: 223). Portanto, a espiritualidade
das monjas é mais ideológica do que religiosa. Esta é a interpretação que José Mattoso
da à Vida de Santa Senhorinha: «A Vida apresenta como modelo uma jovem da alta
aristocracia, uma filha de um conde, para mostrar que mesmo as do seu nível têm
também de renunciar ao casamento. Ela fá-lo voluntariamente, não por obrigação, mas
isso torna o seu exemplo muito mais convincente» (1985:222).
Sóror Maria da Cruz
54
No Renascimento, há mulheres santas sem terem sido canonizadas, como Sóror
Maria da Cruz da Ordem Terceira de Olivença. Sua história é narrada pelo religioso Fr.
Jerónimo de Belém. Este fato é importante porque a maioria da vida de santas e sórores
chega a nós por meio do ponto-de-vista masculino, religioso ou laico. Estas «santas» são
modelos de perfeição e de imitação para o público em geral e para as mulheres em
particular. São modelos morais porque enquadram a santa dentro daquilo que a igreja e a
sociedade desejam que ela seja e como deve comportar-se desde a mais tenra idade. São
modelos didáticos porque sugerem o caminho que as mulheres devem seguir, qual o
comportamento ideal e mais do que punições mostra o que deixam de alcançar aquelas
que não optarem por este caminho. A recompensa nunca é terrena, mas transcendental,
após a morte. O corpo é pecaminoso, só a mulher incorpórea alcança a eternidade. Neste
sentido, o modelo de santidade imposto é uma ameaça.
A família de Maria da Cruz era exemplar. Os pais eram «cristãos velhos, cuja
convivência exemplar correspondia a um modelo de virtude» (Pires 5). Quando Maria
da Cruz tinha apenas poucos meses, um dia um eremita franciscano, nunca visto antes,
entrou em sua casa segurou-a com carinho, recolocou-a no berço, e desapareceu.
Portanto, este é um sinal de que a criatura era abençoada. Com os filhos criados, sua
mãe e seu pai tomaram o hábito da Ordem Terceira de Olivença, esqueceram o mundo
exterior e passaram a chamar-se Bento de S. Bartolomeu e Isabel da Paixão. Portanto, ao
tomar o hábito abdicam de sua identidade. Isabel da Paixão passou a praticar a caridade
e os enfermos e desaventurados «só por ouvirem as suas preces e esclarecidas palavras,
sentiam as melhoras que desejavam» (6).
Maria da Cruz era a filha mais rebelde, não queria casar, não queria «ser
Terceira» (6), as duas únicas alternativas para uma mulher naquela época. Seus atos
eram considerados irreverentes, e a mãe rezava pela conversão da filha «propensa à
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luxúria e avareza, e em constante desobediência aos preceitos da Santa Madre Igreja»
(7). Palavras como luxúria e desobediência nunca são esclarecidas, são signos abertos
para a imaginação do leitor, mas possivelmente seu conteúdo negativo referia-se a
infantilidades próprias da idade. Finalmente, as preces da mãe foram ouvidas. Num
instante epifânico, «hora primeira do seu nascimento» (Belém 36), a transformação
ocorreu. Decidiu «cortar seus cabelos, para mudar de pensamentos; andar sempre
descalça, para melhor dirigir seus passos; lançar de si os vestidos curiosos, para se vestir
de cilício; procurando para nova gala um tosco faial, e cingindo-se com uma grosseira
corda, para prender sua liberdade (Belém 36, atualizamos a ortografia). Em outras
palavras, abandonava o seu corpo, sua identidade física; mortificava-se; entregava-se ao
«outro» ao abdicar de sua liberdade. Este outro era o confessor e outros homens que
controlavam a vida das religiosas, mesmo que só por meio de ordens e exemplos de
comportamento. O corpo físico não existe, só o espírito. Para que o corpo fosse
esquecido, Maria da Cruz negava-se qualquer prazer e gosto. Aqui o termo é referencial,
paladar, prazer gustativo. «Lançava água [na comida] para lhe destemperar o saber...
Outra vezes polvarizava a comida com cinza... para que nada desta vida achasse gosto.
... Gostava muito de uvas..., e por isso mesmo se abstinha até de prová-las» (Belém 85).
Logo passa a ser estimada pela comunidade. Terminado o noviciado professa, em 1614,
a Terceira Ordem Seráfica. Já se admitia que tinha uma vocação singular. Muito sofreu,
perdendo em sequência nada menos do que seis familiares. Mas prodígios e milagres
começaram a ocorrer, sobretudo de cura aos doentes e de salvação aos pecaminosos (por
ex., auxiliar contra o suicídio). Cada vez tornava-se mais contemplativa e para alcançar
a perfeição «aumentava dia a dia as mortificações corporais, com repetidas penitências e
abstraindo-se de tudo que lhe pudesse servir de prazer» (Pires 13). Como todos em
Olivença, trabalhava no tear, cujos ganhos permitiam sua sobrevivência e a de outros
56
por meio das esmolas. Inúmeras vezes foi encontrada em «êxtase contemplativo, perante
as visões sobrenaturais que lhe abstraíam os sentidos» (Pires 14). Só chegava-se a Deus
transcendendo o corpo, mortificação e inanição levavam ao «sobrenatural». Oração
constante, benemerência, caridade foram seus caminhos de santidade. Aconselhava
sabiamente os homens, sobretudo os confessores para que se esquecessem das fraquezas
mundanas e fossem bons confessores e guias dos paroquianos (Belém 131-32). Servia
de oráculo ao povo de Olivença na modesta casa da Rua de Sant’Ana, estendendo-se sua
sabedoria ao povo português e até ao espanhol pela Madre Luísa da Ascensão, abadessa
do convento das Claristas de Carrion, com quem praticava milagres. Quando
perguntava-se ao povo quem era Maria da Cruz respondiam:
Ali vive essa mulher em tudo forte, porque é de virtude constante, e de
elevado espírito; e, se pelo nome e pessoa a não conheceis, pela sua
ocupação a conheceis melhor: fia linho, e tece lã, vive do fruto das suas
mãos, não come o pão ociosa, e do pouco que tem, reparte muito com os
pobres. Naquela rua mora essa mulher, que sendo pelo nome Maria, pelo
sobrenome, é toda da Cruz, porque toda cruz é a sua vida; se pela
contemplação é Maria pelo seu exercício é juntamente Martha. Não repareis
em que o seu ofício seja de tecedeira, porque o seu trato é todo do Céu; pois
em cada fio que passa, levanta ao Céu um pensamento: suas palavras são
doces por atractivos, suas acções bem reguladas, suas obras assaz
fervorosas, na vida tudo é modéstia, no seu coração singeleza tudo, e
ninguém chega a falar-lhe, que não leve exemplo e doutrina. (Belém 148)
Exemplo e doutrina, duas palavras-chave que mostram a funcionalidade das
narrativas sobre mulheres santas.
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Sati
A esposa escolhe a auto-imolação na pira de seu marido morto; tanto o ato como
a vítima são chamados de sati. Em sua origem sânscrita , o termo significa mulher casta
e virtuosa. Sati passou a ser a única forma da mulher alcançar respeito e honra após a
morte do marido. Este ato dignifica sua família. Para justificar tais atos, os homens
aferram-se à idéia de que o sati é um ato livre escolha da esposa, que se juntará ao
marido no paraíso, onde gozarão a felicidade unidos. Ficando na terra, só tristezas e
infortúnios a esperam. O primeiro caso descrito data de 317 a. C., em Punjab e o último
descrito pela autora Sakuntala Narasimhan é de 1987 em Rajasthan, apesar da prática ter
sido abolida em 1829.
58
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61
Duarte Nunes de Leão
A mulher não bebe. Houve o caso de Dona Leonor, filha do rei D. Duarte de
Portugal e mulher do Imperador Frederico III da Alemanha. Como passavam-se os anos
e ela não engravidava, aconselharam-na a beber vinho para tal fim, porque a Alemanha
era muito fria para uma portuguesa. Não o fez porque “mal parecia beber ella vinho
sendo molher & portuguesa”(333).
Mulheres prestes a casar, cujo prometido falecia, preferiam tomar o hábito. É o
caso de D. Leonor, filha do Duque de Bragança, que “tomou outro trajo differente em
que passou a vida”(333). Outras metiam-se “em religião em suas casas”. D. Joana,
Marquesa de Elche, ao morrer-lhe o noivo, encerrou-se “em hum tabernáculo de
madeira tam estreito que nelle quasi lhe não cabia o corpo”, portanto, esta opção é mais
difícil do que a vida conventual. Eram “viúvas de observância”(335), pela abstinência,
austeridade e aspereza com que viviam.
Outras mulheres como a Rainha D. Tareja, casada com Filipe, Conde de
Flandres, defendeu as terras do marido, quando este estava no ultramar, “contra muitos
senhores que lhas queriã occupar”(337) e fê-lo sozinha por não ter parentes a quem
recorrer.
Duarte Nunes de Leão cita também a valentia das mulheres, que não hesitavam
em pegar armas e outros instrumentos para se defenderem e quando o marido era morto,
continuavam na luta sem derramar lágrimas. Inclusive vestiam-se com trajes masculinos
quando necessário, como é o caso de Antonia, relatada por Leão, que embarcou numa
caravela como grumete e fez todos os afazeres desta função (346-47), inclusive “com os
soldados comia & se deitava na cama & dormia entre elles vestido porém sempre com
gibão & ceroulas, que nunca andava sem ellas, por onde não foi conhecido” (348).
Antonio Rodriguez enfrentou muitas lutas com sua coragem até que um dia resolveram
62
casá-lo com uma donzela, teve então que revelar sua identidade, tendo sido salvo de
dissabores pela sua bravura anterior.
Leão também enaltece a bravura das mulheres portuguesas que “quando
pelejavam nunqua volviam as costas nem fugião” (353); outras sem se lamentar
deixavam-se degolar e ainda outras matavam os filhos e a si mesmas em momento de
aperto.
Leão exalta não só a bravura física das mulheres, mas também o seu intelecto, o
que é uma atitude corajosa para a época.. As mulheres não podiam apresentar-se em
público,mas se pudessem estudar, o autor diz “não há duvida senão que fora mui grande
o numero das letradas que poderão meter em confusão a muitos hom~es que nas scholas
aprenderão muitos annos, e nellas tomarão graos” (354). Mesmo assim várias se
sobressairam nas letras.
Maria, aEgípcia
Maria, a Egípcia é do século V(?). Foi prostituta na Alexandria e converteu-se
quando estava em Jerusalém e cruzou o rio Jordão. Passou o resto de sua vida como
uma penitente solitária no deserto. (Attwater)
Eufrosina. Data? Sua lenda é uma variação da de Santa Pelágia. Não quis casar-se,
vestiu-se de homem, usou o nome de Smaragdus e ingressou num mosteiro próximo de
Alexandria. Seu pai ia aconselhar-se com ela, sem saber que era ela, ato este que durou
38 anos sem reconhecê-la. Quando estava moribunda, revelou-se e o pai substituiu-a no
mosteiro. É provável que essa narrativa seja lendária e que ela nunca tenha existido.
Pelágia. Há três Pelágias: 1) a penitente, 2) a de Antioquia, e 3) a de Tarso.
63
Pelágia, a penitente, era chamada de Margarito e era uma bailarina da Antioquia.
O Bispo Nonnus de Edessa notou que ela se preocupava mais com sua dança do que os
religiosos com seus fiéis. Ao ouvir um sermão pregado por este bispo converteu-se e foi
batizada posteriormente. Seguiu para Jerusalém vestida de homem, e viveu uma vida
solitária numa cavenra no Monte das Oliveiras.
Pelágia de Antioquia (304, 457?). É confundida com Pelágia, a penitente. Vivia
em Antioquia e tinha quinze anos, quando soldados foram prendê-la. Jogou-se do
telhado para conservar sua honra. É venerada como mártir.
Pelágia de Tarso. Era uma bela jovem que fora prometida em casamento ao filho
do Imperador Diocleciano. Tornou-se cristã e o noivo suicidou-se de desgosto. O
imperador então a quis para si, mas ela não abandonou sua fé e foi queimada.
Taís. Foi uma prostituta, linda e rica do século IV, no Egito. Um monge do deserto
converteu-a, então ela queimou suas roupas e jóias, e foi para o mosteiro onde
permaneceu em sua cela. Depois de três anos permitiram que comungasse, morreu em
duas semanas. Esta é uma narrativa moral, de verídico pode haver a associação a Taís,
matrona de Alexandre Magno.
Senhorinha. Professou no Mosteiro de S. João de Vieira e foi sepultada no Convento de
S. Jorge de Basto.
Mendonça,Manuela. “Ação decisiva de algumas mulheres na história portuguesa”.
Estudos sobre as mulheres em Portugal. Lisboa: Comissão para a Igualdade e
para os Direitos das Mulheres, 1993. 23-33.
64
Mécia Lopez de Haro. Casou-se com Sancho II, em torno de 1245. Foi um casamento
estranho, por ser ela viúva e não ser ao menos princesa. Além disso, eram primos e não
solicitaram dispensa de parentesco, usual na época. Não teve filhos e, no processo da
queda do marido, colocou-se no lado oposto, o que garantiu a sucessão a Afonso III. Por
outro lado, Sancho II ignorou-a totalmente no testamento (26). No entanto, manteve o
título de Rainha até a morte.
Leonor Teles de Meneses foi uma mulher maquiavélica. Sua irmã, Maria, era dama de
uma filha de D. Pedro e de D. Inês de Castro, o que lhe serviu para aproximar-se de D.
Fernando. Conseguiu seu intento, anulou o primeiro casamento e assassinou sua irmã
para chegar a ser rainha. O reino se opôs a tal união, mas D. Fernando resistiu e
inclusive não cumpriu o Tratado de Alcoutim, pelo qual se casaria com uma infanta
castelhana, que também se chamava Leonor. Leonor Teles mostrou liderança mesmo
após a morte do monarca.
Lucas,Maria Clara de Almeida. “A gramática ao serviço do imaginário do texto”. A
literatura visionária na Idade Média portuguesa. Lisboa: Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa, 1986. 113-121.
Usa-se a superlativização e a negção para marcar “o que o homem não
tem”(114), realçando o outro lado.
Usa-se o tempo presente, tempo sagrado, única experiência de vida. Passado e
futuro não fazem parte desta realidade. “A sua dimensão do tempo é hierofânica”(115).
Sempre que um gesto é repetido, um novo milagre, “implanta uma nova
eternidade”(116). Por isso o medo da morte é inexistente. Mas usa a verosimilhança,
imagens correspondem à natureza terrestre. O que falta na terra, paz, felicidade e beleza,
encontra-se acolá.
65
Há duas funções nos textos hagiográficos: (1) uma finalista, “que se manifesta na
conversão do homem” (122), e (2) uma medial, em que o ser humano se torna veículo
“de um saber que transforma o homem em destinatário do conhecimento aos seus
semelhantes” (122).
Viúvas
Tovar, Patricia. “Images and Realities of Widowhood in Portugal”. Portuguese Studies
Review 6/2 (1997-98): 103-119.
A imagem da viúva é sempre patética e negativa. Quando o marido deixa-a com
bens goza de liberdade; caso contrário é uma matrona, carente de consolo. Quando os
maridos viajam para o ultramar, elas ficavam e a volta era incerta. Além dos traumas
emocionais, a pobreza era uma ameaça. Por isso desde a Idade Média existem
instituições para amparar viúvas e órfãs. Rainhas e mulheres da aristocracia dedicaram
sua misericórida e dinheiro para evitar desgraças maiores. No século XV, a rainha D.
Leonor criou a Santa Casa de Misericórida. Muitas mulheres, por falta de recursos,
tiveram que dar seus filhos. Algumas viúvas recasavam, oque nem sempre era visto com
bons olhos. As próprias mulheres se sentiam adúlteras ao praticar este ato, por isso
preferiam ser as eternas viúvas. Algumas jovens, no entanto, optaram por recusar. Há
um provérbio que diz: “o amor de uma viúva é caldo a referver; nunca nenhum é tão
bom como o outro marido”(109).36
As mulheres têm o valor de produto de troca:
As solteiras são de trigo
As casadas são de cevada
As viúvas são de centeio
As velhas não valem nada.
66
Ou então são consideradas como valor monetário:
As solteiras são de ouro
As casadas são de prata
As viúvas são de bronze
E as velhas são de lata.
A viúva sempre se veste de negro, que é a negação de todas as cores. Esta é
também a cor da velhice e da maioria dos hábitos religiosos. Negro é, pois, a cor do
estado de abstinência.
O preto é das viúvas
o azul é das casadas
o vermelho é das solteiras
rosado das namoradas.37
Sintetizando, a viúva é uma mulher marginalizada: está próxima da morte e teve
contato com ela, é então censurada, controlada e isolada pela sociedade (115). Sem os
marido é uma ser incompleto. O único sentimento que a sociedade tem para com ela,
num sentido mais piedoso, é o da compaixão. 38
Bruxas
Parafraseando Jean-Jacques Wunenberger,39 as imagens diabólicas aproximam o
diabo da projeção de inclinações e vontades más que há em nós mesmos. É a
deterioração progressiva da imagem do outro em mim. Nossos sentimentos de culpa
invertem a imagem, transformando o que é gratificante numa imagem negativa e
angustiante. O duplo é a personificação do negativo. Assim, o diabo passa a ser este
outro que assume a lógica da desordem.
67
Leal, Ivone. “A mulher e o amor no século XVI: afectividade, sexualidade, casamento -
uma abordagem do tema”. Análise Social 22 (1986). 769-78.
O Livro das Três Virtudes ou Espelho de Cristina. Capítulo “Como se ela deve
haver com seu senhor”. A mulher casada tem três deveres: amar o marido em paz;
obedecer regras e comportamento para conservar e aumentar o amor; dar provas deste
amor.
A forma de desempenhar estes deveres são: estar junto ao marido lealmente; ser
humilde em atos e palavras; obedecer incondicionalmente e ser-lhe solícita.
Servir à alma do marido através do confessor dele e das orações, e do corpo
pelos físicos e camareiros. Rezar na ausência do marido, oferecendo esmolas em sua
intenção. Mostrar modéstia no vestuário durante este período e ao voltar regozijar-se,
dando também graças aos que o acompanharam.
O adultério masculino era aceitável, ao contrário do da mulher. Ela tinha que
manter o mesmo comportamento ao saber da infidelidade do cônjuge.
No Leal Conselheiro, além do “cumprimento de um dever” há a “vivência de um
sentimento”(772). Para D. Duarte dever e afetividade estão interligados. A felicidade
leva ao amor, mesmo no caso dos amores arranjados - que são a maioria-, num
sentimento continuado de prazer. Este amor pode, em alguns casos, transformar-se em
amor-paixão se houver paciência e delicadeza.
Leal, ao comparar os dois escritores diz: “Não podemos negar que há um
progresso relativamente ao que propunha Cristina de Pisano. Esta entendia o amor como
um dever da mulher para o marido. D. Duarte entende-o como um sentimento
recíproco” (774).
Já em Espelho de Casaados de João de Barros, o autor disitngue o verdadeiro
amor do outro. Discute com bastante detalhes o adultério e parece entender a
68
infidelidade da mulher, dando como razões: a indissolubilidade do casamento e a
exigência servil imposta às mulheres. Tenta com seu tratado auxiliar o homem na
compreensão da mulher, destruir certos preconceitos como a ignorância, a inconstância
e a incontinência (778) e mostrar que a mulher não é má nem inferior , apenas diferente.
Marques, A. H. de Oliveira. “O afecto”. A sociedade medieval portuguesa. Lisboa: Sá
da Costa, 1964. 117-140.
As meninas passavam a donas aos doze anos. No Leal Conselheiro, o afeto
familiar é tratado no capítulo “Da prática que tínhamos com El-Rei, meu senhor e padre,
cuja alma Deus haja”, apesar de que sobre as filhas há o silêncio. A harmonia parece
reinar em família, apesar de que nos Livros de Linhagens são relatados fraticídios e
parricídios. Oliveira Marques conta o “caso de um nobre que fez coser a mãe numa pele
de urso e a deitou aos cães de fila, porque lhe intervinha nos negócios com a
amante”(119). Os filhos permaneciam na família até o casamento e, no século XIII, já há
adoções por famílias sem filhos. Havia romances entre irmãos, e as relações incestuosas
eram toleradas. Pouco há sobre o namoro, mas sabe-se de superstições, como desfolhar
o malmequer para saber o sentimento alheio. Havia o requinte do amor aristocrático ao
lado do adultério; a moralidade encobria uma realidade bem diversa.
O casamento era semelhante ao romano, “simples acordo entre duas partes,
solenizado ou não por rituais religiosos” (126). O sacramento religioso impedia o
divórcio. O acordo era apenas uma troca de palavras: “Recebo-te por minha; recebo-te
por meu”. Esta forma era conveniente para os humildes, mas também para os amores
clandestinos. Bastava negar o acordo se não houvesse testemunhas. As ligações às
escondidas eram chamadas “casamentos a furto”, como foi o de D. Fernando e D.
69
Leonor Teles. Com o tempo, a igreja passou a exigir a presença de um pároco, para
evitar abusos.
Antes do casamento haviam os “esponsais”, o equivalente ao noivado. O
casamento realizado na igreja era chamado de “casamento de benção” (128) e, no século
XV, obrigava-se a pregões em três domingos anteriores à cerimônia. O véu encobria a
cabeça da noiva e o anel, que simbolizava a união, fazia parte do dote do marido à
mulher. Quando o dote era acordado, lavrava-se as “cartas de arras”. Havia comunhão
de bens, mas à mulher cabia o enxoval, os presentes dados à noiva e as heranças
recebidas (129). Se solteira, a noiva casava-se enluvada, se viúva sem luvas. Os
costumes variavam segundo a região e as Ordenações Manuelinas moderaram as
despesas para o casamento e as extorções, ofertas recolhidas pelas casas da redondeza.
Não havia trajes especiais, apenas vestia-se a melhor roupa.
Como a maioria dos casamentos eram acordados, e houve casos, como o de D.
João I, que “chegou a cometer a violência inaudita de casar damas e homens de sua casa
sem lhes comunicar o facto, a não ser na véspera!”(133). Entre outros abusos dos pais
havia o de casar filhas adolescentes com homens de quarenta nos ou mais. Portanto,
amor e casamento não se conjugavam.
Como não havia divórcio, a anulação do casamento era um fato. A igreja
impedia uniões de parentesco até o 8o. grau, mais tarde reduzido ao 4o. (215). Para
casamentos entre primos era necessária a dispensa. Filhos naturais eram frequentes no
fim do século XIV e no século XV, e o rei podia dar uma carta de legitimação. Oliveira
Marques diz que “entre 1398 e 1408 foram concedidas 575 cartas de legitimação “(136).
A moralidade estava em decadência, e donzelas, viúvas e até freiras corriam
perigo. O padre tinha amantes e descendentes, exibindo “as barregãs em público e
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trazendo-as mais bem vestidas do que os leigos as legítimas esposas”(136). Mas freiras
e abadessas também solicitavam cartas de legitimação para seus descendentes.
A igreja começou a aperter o cerco: excomungava, proibiu as barregãs de
clérigos, impediu a doação feita por homens casados às amantes, obrigou ao casamento
quem deflorasse donzela virgem, puniu a bigamia. D. Afonso IV proclamou uma lei
“que toda mulher casada que fizer adultérios a seu marido, se a o marido matar por
ende, ainda que a não ache no adultério, que não morra por ende, nem haja outra pena de
justiça” (138). Por isso o infante D. João matou Maria Teles sem represálias. O marido
ultrajado podia matar o adúltero, a não ser se fosse fidalgo ou cavaleiro.
A prostituição começou a aumentar, recebendo as mulheres vários nomes:
meretriz, soldadeira, manceba, mulher de segre, barregãs, havendo pequenas diferenças
entre os termos. D. Afonso IV mandou fazer arruamento, colocando-as em áreas
delimitadas, o mesmo ocorrendo com os bordéis. Precisavam usar uma marca na roupa e
seu luxo foi regulado.
1 Vide Isabel de Barros Dias, «Modelos heróicos num fluir impuro» in O género do texto
medieval, pp. 104-112.
2 Irene Freire Nunes,«Voz e representação da mulher na poesia occitânica e galegoportuguesa.
In A mulher na sociedade portuguesa, 1986. 11-19. Vide tb. G. Cropp, Le
vocabulaire courtois des Troubadours de l’ époque classique (Genève, 1975).
3 Américo António Lindeza Diogo, «Lírica galego-portuguesa, genologia e
generalização» in O género do texto medieval (Lisboa: Cosmos, 1997). 29-41. Vide tb.
Paulette Demerson, «L’amour dans le Leal Conselheiro de Dom Duarte». Arquivos do
Centro Cultural Português, vol xix (Paris: C.C.P, 1983):483-500.
4 D. Duarte, Leal Conselheiro (Lisboa, 1942).
5 Mário Martins, «A amizade e o amor conjugal no Leal Conselheiro» in Estudos de
cultura medieval , vol. 3 (Lisboa: Brotéria, 1983). 187-98.
6 Doravante as obras serão citadas como Flos Sanctorum e Legenda dos Santos Mártires.
7 Ana Maria Machado, «A leitura hagiográfica no Orto do Esposo e a hermenêutica
implícita na Legenda aurea» in O género do texto medieval, pp. 257-281.
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8 Lucas (A imagem 348) menciona o artigo de Almeida Fernandes, «Considerações
acerca de Santa Iria» (1985).
9 Lucas explica que «a tentação da santa só existe no texto português em que o tradutornarrador
a torna alvo directo do inimigo, enquanto no texto latino era Britaldo e
Remígio que a ameaçavam como representantes do demónio» (A imagem 342).
10 Castro (8, nota 17) cita os seguintes trabalhos: Maria Helena da Cruz Coelho, O
mosteiro de Arouca, do século X ao século XIII, 2a. edição da Câmara Municipal da
Arouca, 1988; M. do Rosário Barbosa Morujão, Um mosteiro cisterciense feminino:
Santa Maria de Celas (século XIII a XV). Mestrado, Porto, 1991; Joel Silva Ferreira
Mata, A comunidade feminina da Ordem de Santiago: a comenda de Santos na Idade
Média. Mestrado, Porto, 1991.
11 Castro (26, nota 14) menciona duas procuradoras apenas com função semelhante à
dos procuradores.
12 José Marques (19) informa que de 1778 a 1819, ou seja, em 39 anos, apenas houve 42
solicitações.
13 Vide Francisco Bethencourt, «Os conventos femininos no império português, o caso
do convento de Santa Mónica de Goa». Só três conventos foram criados no século XVII:
o de Santa Mónica (Goa, 1606), o das religiosas descalças (Macau, 1633), o do Desterro
(Bahia, Brasil, 1677) (631).
14 Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora - Manizola, no. 115, fl. ccxlii, citado
por Isaias da Rosa Pereira, «Algumas considerações sobre o papel da mulher na Idade
Média» in A mulher na sociedade portuguesa, pp.197-202.
15 Frederico Francisco de la Figanière, Memórias das Rainhas de Portugal (Lisboa: Tip.
Universal, 1859).
16 António Patrício, «Dinis e Isabel», Teatro completo (Lisboa: Assírio e Alvim, 1982).
175-291.
17 Esta versão é fiel à latina Vitae Beatae Senorinae Virginis por Herculano (Scriptores
46-51), reeditada por M. H. da Rocha Pereira, em apêndice à «Vida e milagres de S.
Rosendo», 1970, acrescentando um prefácio e dez novos milagres. Vide Freire (36-37).
18 Francisco Manuel Alves, Memórias arqueológico-históricas do distrito de Bragança,
reed., tomo IX (Bragança: Museu do Abade de Baçal, 1982: 356-386).
19 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Inquisição de Évora, Proc. 7836, fl.
17r-v.
20 Bethencourt refere-se a ANTT, Inquisição de Évora, Proc. 8029, fll. 87v.- 88v.
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21 Ana Hatherly menciona duas versões do manuscrito do Visconde de Asseca, em
Miscelânea de Prosas de Antonio Correyra Viana, de 1782, na Biblioteca da Ajuda, cota
51-II-38, n. 4, fl. 45-79 e outra em Miscelânea do século XVIII da Coleçcão Pombalina,
na Biblioteca Nacional de Lisboa, cod. 129, tomo IV, fl. 89-93, havendo pouca diferença
entre ambas.
22 Júlio Dantas, O amor em Portugal no século XVIII (Porto: Chardron, 1916); J.A. da
Graça Barreto (ed.), Monstruosidades do tempo e da fortuna (Lisboa: Tip. da Viúva
Sousa Neves, 1888), etc.
23 Carta de 1570, que faz parte do conto XVII dos Contos e Histórias de Proveito e
Exemplo de Gonçalo Fernandes Trancoso, ed. facsimilada da impressão de 1575, intr.
João Palma-Ferreira (Lisboa: Biblioteca Nacional, 1982, 1a. parte, fls. 41-42), citado por
José Manuel Azevedo e Silva, «A mulher no povoamento e colonização de São Tomé
(séculos XV-XVII)» in A mulher na sociedade portuguesa, pp. 229-43.
24 Vide Maria Helena Vilas-Boas e Alvim, «Subsídios para a história da mulher» in A
mulher na sociedade portuguesa, pp. 270-88.
25 Nome derivado de «albigenses».
26 Joan Kelly, Women, History and Theory: The Essays of Joan Kelly. Chicago: Chicago
U P, 1984.
27 David Herlily. «Did Women Have a Renaissance? A Reconsideration». Medievalia et
Humanistica, NS 13 (1985):1-22.
28 Carvalho pesquisa textos de 1055 e 1567, e verifica que até 1507, a palavra descobrir
e descobrimento aparecem sessenta vezes (15).
29 Diogo do Couto, Décadas da Ásia, vol. 5 (Lisboa: s. n., 1612).
30 José Matoso, «Introdução ao painel ‘Estudos sobre as mulheres em Portugal’», in
Estudos sobre as mulheres em Portugal, pp.55-57.
31 Maria Regina Tavares da Silva, «Estudos sobre a mulher em Portugal: breve
perspectiva histórica», in Estudos sobre as mulheres em Portugal, pp. 59-67.
32 Manuela Mendonça, «Acção decisiva de algumas mulheres na história portuguesa», in
Estudos sobre as mulheres em Portugal, pp.23-33.
33 Mário Martins, «O elemento religioso em Amadis de Gaula» in Estudos de Cultura
Medieval, vol. III (Lisboa: Brotéria, 1983). 314-355.
34 René Metz, Le statut de la femme en droit canonique médiéval, compilação da
Société Jean-Bodin sobre La Femme, parte II, t. xii.(Bruxelas, 1961).
35 José Mattoso, «Sociedade cristã e marginalidade na Idade Média, a Gafaria da
Senhora do Monte», in Portugal medieval , pp. 123-33.
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36 Teófilo Braga, Cancioneiro Popular Portuguez (Lisboa: J. A.Rodriguez, 1911); O
povo português nos seus costumes, crenças e tradiçoes (Lisboa: Dom Quixote, 1986), p.
234.
37 Vide sobre o estado da viuvez José Cutileiro. A Portuguese Rural Society. Oxford:
Clarendon, 1971.
38 Vide Manuel del Palacio. O amor, as mulheres e o matrimónio. Contos, pensamentos,
reflexões (Porto: Tip. de Manuel J. Pereira, 1865), p. 429; J. Leite de Vasconcellos.
Tradições populares de Portugal (Lisboa: Impr. Nacional, 1986), p. 275.
39 Jean-Jacques Wunenberger, “Imaginaire phobique et représentation diabolique”.
L’Homme et l’Autre. De Suso à Peter Handke. Press Universitaire de Nancy, 1990), p.
22-23.