Análise / interpretação dos
contos A Dama-pé-de-cabra; A morte do Lidador e Aquela Casa triste, do
romantismo Português.
INTRODUÇÃO
Os
contos escolhidos; A Dama-pé-de-cabra e A morte do Lidador pertencem ao
romancista e historiador Alexandre Herculano, enquanto o conto Aquela casa
triste, é uma obra de Camilo Castelo Branco. Todos esses contos representam
diferentes formas narrativas, onde seus autores participaram ativamente do Romantismo
português. Herculano fez parte da primeira fase do romantismo, enquanto Castelo
Branco atuou na segunda fase. Seus diferentes estilos e escolhas de linguagem
se devem às suas particulares visões de mundo, que muitos influenciaram tanto
no espírito de inovação, como na produção de seus textos.
CLASSIFICAÇÃO DOS CONTOS
O
conto a Dama pé-de-cabra, trata-se de uma narrativa em versos, de uma das
muitas lendas que circulavam no século XIX. Ledas, buscam o imaginário popular
e na Dama-pé-de-cabra, a narrativa em prosa buscada de coletâneas orais, transforma
a poesia oral em fala dos personagens, transformando-se no conto como o
conhecemos, o que nos faz lembrar um pouco dos irmãos Grimm, que também foram
buscar na oralidade a origem de seus contos.
Em
A Dama pé-de-cabra, temos também a presença do coro, representado pelo jogral.
O termo “coro” provém do grego chorós, que, na Grécia antiga,
designava um grupo de dançarinos e cantores usando máscaras que participavam de
forma ativa nas festividades religiosas e nas representações teatrais, o que
nos dá essa ideia da oralidade sendo passada ao povo por meio também de
espetáculos. Eram na verdade, um grupo que representavam um indivíduo e não
raro possuíam algo de circense.
Tanto a maioria tinha esse cunho de oralidade, que Herculano se vê
obrigado a criar o “narrador ingênuo” que precisa afirmar que a história “é
verdadeira” de tão inverossímeis que era essas obras buscadas na
oralidade.
A divisão por trova nos remete ao fato dos poemas narrativos serem
escritos sob a influência das tradições bretãs, que se manifestavam no lirismo
do país, nos contos e novelas cavalheirescas; esta nova corrente foi iniciada
em Portugal no ciclo pós-dionísio.
Herculano, como pesquisador, homem ensaísta de reflexão, mais da ciência
do que da ficção, fora busca, nessas obras a raiz de cada uma delas,
especialmente, no caso do conto “A morte do Lidador”, que se trata de um
romance de linhagem e esses registros anteriores tornam-se bastantes úteis na
construção dessas obras por Herculano.
No
conto A morte do Lidador, trata-se de uma narrativa épica, que retrata o
lidador como uma autoridade ética de caráter, um exemplo de influencia para os
demais. O conto como uma perfeita mini-epopéia, reflete o ufanismo da nação
portuguesa em formato de prosa épica, contando a fundação da pátria por D.
Henrique e o Lidador como guarda-mor desse reino. Representando essa figura
épica, representa também o clássico. Uma espécie de Ulisses que salta para o
conto de Herculano para representar toda uma nação. Na época de Herculano,
apenas ele mesmo conseguia reunir sensibilidade e conhecimento tão aprofundado
em relação à historicidade, pois era um clássico e sempre se valia das fontes
históricas para construir suas narrativas.
A
visão da cultura medieval (maniqueísta) do ponto de vista cristão de que o
cristianismo é verdadeiro e todo o restante é o mal. Por isso, os islamitas
nesse conto recebem tantos adjetivos depreciativos. Comparativo com judeus que
mataram Jesus, por isso, vistos com maus olhos pelos cristãos, algo execrável. Herculano, assim como Camões, descreve a
disparidade entre o número de cristãos e os inimigos mouros, tudo isso para
exaltar a coragem e valentia dos lusitanos, representados pelo próprio lidador.
Em
Castelo Branco, percebemos em seu conto “Aquela casa triste”, uma grande
influencia do romantismo, fazendo o mesmo, parte da segunda geração romântica,
e com grande influência das produções de Byron, onde grande foi a presença do
“mal do século” como doenças românticas que levavam à morte, morrer de
desgosto; ideia que se propagou largamente na época.
TEMÁTICA DE “AQUELA CASA
TRISTE”
Castelo Branco,
por sua vez, teve uma extensa produção de obras, que passaram desde o
romantismo ao realismo, como também abordou temáticas especificas. Produziu
romances que possuem características de diferentes classes de romances,
geralmente misturadas, como influência. Podemos perceber em sua obra, algumas
dessas características, como sua preferência pelos elementos do romance influenciado.
Podemos perceber alguns desses apontamentos que serão descritos, no conto
“Aquela casa triste” elementos como traços do “romance negro, com elementos
melodramáticos, a passionalidade das personagens, numa ação baseando-se em
elementos do romance passional como podemos perceber mulheres abandonadas por
seus amores e reconhecimentos de antigas paixões, amores contrariados que acabam
no crime ou na morte ou na loucura e o tema principal como a separação dos
amantes por um obstáculo, além da desigualdade social e econômica. (Camilo até
mesmo intercala duas histórias numa só). Temos ainda, na figura da mulher, o
sexo frágil, tão típico do romantismo, uma mulher vítima, anjo inocente, no
caso da filha do Africano, Deolinda, e a figura da mulher meio demônio, fatal,
no caso de D. Amélia. Algo na trama, sempre está ligado ao pecado ou ao crime
onde há homens sedutores e mulheres vítimas, sendo Deolinda, seduzida pelo
homem que outrora a salvou no naufrágio do navio, uma figura de homem meio
conquistador, meio bom, meio mal, mas que conquista-lhe o coração. Nesse
sentido, o final para ser condizente com o perfil romântico escolhido, não
poderia ser outro, senão, solidão e abandono. Comumente também, percebe-se
cenas conflituosas entre pais e filhos, o que percebemos no desgosto do pai
quando descobrira que a filha ama e está a morrer por um desconhecido, enquanto
o pai, morre por ela. O desenvolvimento se dá sobre uma paixão enlouquecedora,
que leva à morte e a retórica dos diálogos encontram-se repleta de
sentimentalismo.
A obra
Camiliana é marcada pela extensão, em sua maioria, além da forma espontânea e
por vezes a forma monótona de conduzir o texto. Além do que já foi citado
acima, do romantismo, também herdou o gosto pela improvisação e desenvolvimento
pelo esquema passional. Por outro lado, as tendências realistas, que já também
lhe era usual nessa época; seja para usar como denuncia da perdição humana,
como a busca pelo lucro desenfreado (a cobiça), ou como outros aspectos da vida
cotidiana podemos perceber também em Camilo.
Os
lugares comuns também eram um ponto alto da obra camiliana, por vezes a prosa
moralista e longas sentenças, mas por outras, sabendo a vantagem de uma prosa
enxuta o que não o impedia de dar lançar mãos de alguns recursos do arcadismo ou
mesmo do ultra-romantismo. Enfim, a melhor palavra para definir Camilo,
acreditamos ser “versatilidade”, pois ele conseguia caminhar pelos vários
terrenos da literatura, sem se perder por nenhum deles. O autor parece deixar
livre para que o leitor construa sue próprio julgamento.
ULTRA-ROMANTISMO E OS AUTORES DOS CONTOS
O
Ultra-Romantismo assinala um forte desequilíbrio no domínio do pensamento.
Manifesta um predomínio da emoção, da exaltação do espírito, da melancolia que
leva ao tédio da vida e, consequentemente, ao desejo da morte, ao fatalismo. A
natureza é triste e vai até ao tétrico, ao macabro, com fantasmas, sepulturas,
ajustando-se ao estado de alma do poeta. Afirma-se o gosto pelo melodrama tão
longe do equilíbrio do drama romântico.
Assiste-se a um excesso de sentimentalismo e as poesias são enfadonhas, de horizontes limitados. Aqui e ali há uma certa religiosidade ligada, muitas vezes, à magia, à crença num regresso das almas a este mundo. O medievalismo leva ao predomínio de uma poesia de caráter popular mais espontânea e de gosto arcaizante:
Assiste-se a um excesso de sentimentalismo e as poesias são enfadonhas, de horizontes limitados. Aqui e ali há uma certa religiosidade ligada, muitas vezes, à magia, à crença num regresso das almas a este mundo. O medievalismo leva ao predomínio de uma poesia de caráter popular mais espontânea e de gosto arcaizante:
A sintaxe
é pobre, afetiva, de tipo feminino, com anacolutos, exclamações, reticências.
Abundam as metáforas. A versificação é monótona. Poetas significativamente
ultra-românticos, são ricos de inspiração científica e metafísica.
Herculano,
espelho da sobriedade, do equilíbrio, do rigor critico, fora antes de tudo um
historiador, sempre se detendo à verdade histórica, aos documentos, levando
isso para seus conteúdos ficcionais, não deixando a fantasia sobrepujar as
verdades dos fatos nos textos.
Assim,
mais historiados do que qualquer outra coisa, acaba sufocando o ficcionista
existente dentro de si, graças ao excesso de erudição existente em sua veia,
que muito o influenciou na construção de seus escritos, como nas descrições de
usos e costumes de épocas, bem como extrema minúcia na narração de fatos e
acontecimentos. “Lendas e Narrativas”, se constrói na primeira tentativa de
romance histórico realizada pelo autor, com intuito de querer popularizar os
costumes daquela vida publica e privada dos séculos semi-barbaros, que não se
encaixam no quadro da historia social e política. Com base na erudição
histórica, Herculano trata de temos especificamente medievais, como podemos ver
em “A Dama Pé-de-Cabra” (baseando-se num ‘romance de um jogral’ onde reconstitui
o clima de magia e bruxaria da alta Idade Média cheia de supertição e crenças
pagãs) como também, a Morte do Lidador, que propõe demonstrar a grandeza de uma
nação, no caso a portuguesa, perante o mundo, pelos feitos dos soldados
cristãos contra os mouros, que representavam o mal que necessitava ser extinto.
Herculano,
sem dúvidas foi, sobretudo, um grande historiador, o que lhe rendeu fama e destaque,
mas, na mesma medida, trouxe-lhe também alguns percalços.
Já
Camilo, lançou-se um pouco mais no terreno das características ultra-românticas,
embora onde tenha se destacado mesmo foi no realismo. Mas, a
paixão e o amor estão sempre presentes na sua obra. Castelo Branco produz
romances que contêm características de diferentes classes de romances,
geralmente misturadas. Algumas destas classes de romances são: melodrama, Romance passional; com o tema
principal da separação dos amantes por diferentes obstáculos e a desigualdade
social, como percebemos no conto “Aquela casa triste”, onde não deixa de
apresentar zonas de retórico sentimentalismo ultra-romântico, em que o
sacrifício pelo amor também se reveste de todos os traços e vocabulário quase
religioso: os amantes patéticos são mártires, rituais expiatórios de um pecado
original, que se diria ter provocado a absoluta impossibilidade entre o amor e
as circunstâncias de concretização da vida particular. A novela passional
camiliana dá sempre uma ideia de um sofrimento fatal: por várias vezes se diz
do modo mais direto possível ser "indispensável que o sacrifício aconteça",
como depoimento daquilo que, também por vezes muito claramente, se assinala
como "religião do amor". Os heróis camilianos do amor dizem-nos por
acaso, mais até do que o próprio Camilo gostaria de dizer por meio deles; algo
que nos leva ao seguinte entendimento: que, quando se não é possível viver ou
fazer, que seja pelo menos possível sentir. O sentir aparece assim, como a mais
invencível, ou porque não dizer, a única das liberdades na presença do poder do
acaso.
HERCULANO E O CLÁSSICO
Herculano
possui parentesco com o clássico, no sentido da busca pela origem histórica
para embasar seus escritos e usa isso como meio de libertação do povo e da
literatura. Em sua obra é possível detectar o clássico quando aborda o
universal, o sentido de nação, de povo, da valorização dos clássicos
portugueses. Esse gênero ficcional,
dos primeiros romances históricos
do século XIX, foi criado numa época em que a sociedade tinha outra visão da
História e da relação desta com a ficção. A aproximação feita entre esses dois
discursos era de outra natureza. Se hoje se imagina que a História é uma forma
de ficção, aquela sociedade olhava o romance histórico como um gênero ficcional
que se aproximava da verdade histórica.
Nesse
período, a sociedade vivia transformações político-econômicas profundas.
Também, cada cidadão passa a ver melhor seu papel na História, Esses acontecimentos tornou a História uma relação de
acontecimentos que levam ao presente e que não é mais pautada em certas figuras
de poder, mas em toda a nação.
Afinal,
pesquisar, conhecer e divulgar a História era para Herculano mais uma luta
política que refletia a grande questão do século XIX em Portugal: se o país
deveria ser regido por uma monarquia representativa ou absolutista. A História
até então apresentava as vidas dos grandes senhores da pátria, os reis, a
nobreza e o clero e as batalhas que travaram, esquecendo-se que o povo era quem
morria nessas guerras e era também a gente comum que a nobreza extorquia, seja
à força ou através de leis que lhes concediam mercês, dízimos, comendas e outras
adições. Levantar o papel do povo na História oficial era, mais do que tudo,
uma forma de combater o absolutismo e mostrar um passado onde se visse as lutas
da população pela liberdade.
O princípio do liberalismo constitucional que
Herculano defendia era o da liberdade. As pessoas deveriam ser educadas para
poder usufruir dessa liberdade e lutar por ela contra o absolutismo que era uma
ameaça latente. A arte, sobretudo a Literatura, deveria atuar na sociedade com
um papel educador. Para isso, cabia-lhe o dever de ensinar a História e a liberdade,
como um lampejo de esperança para o futuro. Assim, os autores necessitavam dar
um ar de veracidade às suas obras ficcionais para que elas fossem aceitas pelo
público.
Como
pudemos ver, há ironia na estratégia de convencimento da verdade dos fatos contados
ficcionalmente. No conto “A Dama Pé de Cabra”, onde o título já assinala para a
lenda e o fantástico, não caberia nenhum jogo de verossimilhança, ainda mais
sendo o autor um historiador. Contudo, o narrador, logo na primeira parte da
“Trova Primeira”, conversa com o leitor: “E
não me digam no fim: “Não pode ser.” Pois eu sei cá inventar cousas destas? Se
a conto, é porque a li num livro muito velho, quase tão velho como o nosso
Portugal. E o autor do livro velho leu-a algures ou ouviu-a contar, que é o mesmo,
a algum jogral em seus cantares. É uma tradição veneranda; e quem descrê das
tradições lá irá para onde o pague”. (HERCULANO, tomo II 1970: 35).
A
construção da identidade portuguesa em sua representação ao longo do tempo
mostra-se carregada de caminhos entrecruzados onde passado presente e futuro se
laçam compondo um nó simbólico dessa identidade imaginaria. As diversas amostras
sociais anseiam esclarecer de alguma maneira o caráter português.
Nos
romances de cavalaria há outra construção do “eu”, que se conforma com o signo
da religião cristã e trás um sentido mais de provação do “eu” do que de relação
opositiva com o outro. Seguindo os passos da construção de Portugal como
nação/império encontra-se a figura decisiva para a concretização de uma
identidade épica portuguesa que ainda sobrevive e que é nada menos que Camões. A
identidade cultural, a cultura nacional é um discurso que produz sentidos, que
são formas coletivas de identificação e de construção de identidades, e que
esse discurso se eternizar-se nas estórias sobre a nação, em seu reviver de
memórias que juntam o presente com o passado. Isso reforça a importância de Os Lusíadas,
onde Portugal tem como marco literário uma epopéia de si mesma. Dessa forma a
obra literária está diretamente ligada à representação de identidade de uma
nação descobridora de um novo mundo. É nesse sentido que a obra de Herculano é
clássica, quando se torna representante da identidade do próprio povo, pensando
no povo português como diferente de qualquer outro povo europeu.
O
povo português se vê maior quando se volta para o passado e vê seus feitos. Por
isso Herculano recorre ao passado por meio histórico, para aproximar o povo dos
seus grandes feitos do passado e, de forma geral, a integração e a
identificação com o passado, ocorre como espelho e reflete a necessidade, de imaginar-se
como nação, como um todo, como um inteiro.
Referências bibliográficas
HERCULANO,
Alexandre. Contos de Alexandre Herculano. Int. e Seleção de Fernando C. da
Silva. Ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
CASTELO
BRANCO, Camilo. Aquela Casa Triste. In: Moises Massaud. O conto Português. 2ª
Ed. São Paulo: Cultrix, 1981, p. 76-93.
DAMAZIO,
Paula Regina Scoz Domingos. Identidade e Literatura: a formação de si através
do espelho. UFSC.
MOISÉS,
Massaud. A Literatura Portuguesa. Ed 37ª, São Paulo, Cultrix, 2010.
História
da Literatura Portuguesa, (DVD-ROM), Porto Editora, Lda. 2002.
MARTINS,
Julio; LOPES, Oscar. Manual Elementar de Literatura Portuguesa, Ed. Livraria
Didáctica, 1966.
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